O potencial de Piracicaba para o turismo de charme no estado
"Florença paulista" possui diferencial histórico e precisa saber preservar suas características únicas e evitar repetir erros de outras estâncias turísticas
Piracicaba tem tudo para se tornar a surpresa do turismo de charme no estado. Em tempos de fadiga de quarentena e de milhares de paulistanos loucos para viajar por perto, mas temendo um avião lotado, ela fica a apenas 160 quilômetros da capital. A cidade de 400 000 habitantes só precisa evitar repetir os inúmeros erros de outras estâncias turísticas país afora. E saber preservar o que tem de único.
Um dos bairros de origem italiana, Monte Alegre, está se tornando um pequeno polo gastronômico (gostei do Vila Itália, que o artista Pazé Keffer me apresentou, e visitei a cervejaria artesanal Leuven em um conjunto histórico, com pub incluído). Inúmeros galpões aguardam algum uso. Uma igrejinha, que parece ter sido trazida de navio da Itália, tem trabalhos de Alfredo Volpi no seu interior (e poderia ter horários de visitação mais elásticos). Ainda há opções de turismo rural na comunidade tirolesa da cidade. Como a origem dos alimentos tem muito valor agregado, é um ativo a se cultivar.
Ao contrário de tantas cidades do interior que esvaziaram seus centros para se esconder em condomínios fechados amuralhados, o centrinho de Piracicaba ainda tem gente na rua, comércio, vilas e prédios históricos. Deveria ter mais moradores ainda! Ao longo do Rio Piracicaba, com água e verde de matar de inveja as paisagens fluviais paulistanas, foram instalados barzinhos e são oferecidos passeios de barco.
Bem ali, às margens do rio, fica o imponente Engenho Central, de 1881, obra privada dos tempos do império, marco da história do açúcar no país. Estende-se por um parque hoje municipal de 85 000 metros quadrados. Tombado, ele já ganhou um teatro e um de seus armazéns foi restaurado com salão e auditório. Ali acontece o tradicional Salão Internacional do Humor de Piracicaba.
Há quatro áreas para eventos, de 1 000 a 15 000 pessoas, que serão bem concorridas quando estivermos vacinados — todas ao ar livre, bem valorizado hoje em dia. Outros oito armazéns de 200 a 3 400 metros quadrados sonham com um restauro. Desafio posto: Piracicaba pode optar por fazer a enésima praça de alimentação genérica, com arquitetura de entreposto de beira de estrada. Ou pode apostar alto — seu conjunto de moendas, caldeiras e armazéns renderia um parque único no Brasil, inspirado no que Duisburg e Essen, na Alemanha, fizeram com seus patrimônios industriais. Já que o “Puerto Madero” de Santos, prometido há vinte anos, não deve sair antes de 2030, e os galpões industriais de Mooca e Brás continuarão definhando numa boa, Piracicaba poderia sair muito à frente nesse métier.
Como dizia o arquiteto e diretor da escola Bauhaus Mies van der Rohe, Deus está nos detalhes. É a curadoria de usos e ocupantes desses bens que pode definir o destino da cidade, e atrair investidores e turistas do país inteiro. Basta olhar o centrinho de Campos do Jordão e fazer o oposto. A experiência é outra quando sai o made in China mais barato e se oferecem produtos locais de qualidade. Nem o rico Litoral Norte consegue manter um bom comércio (e haja porta-malas abarrotado para quem viaja). Hora de se diferenciar.
Enquanto a “Califórnia brasileira” ainda gasta dinheiro com pórticos pavorosos na entrada das cidades ou espalhando esculturas de parentes de prefeitos em espaços públicos, a apelidada Florença Paulista já tem o diferencial: história. Basta desfrutá-la, como os piracicabanos já fazem, e correr pelo câmpus da Escola Superior de Agricultura (Esalq), aberta trinta anos antes da USP.
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Publicado em VEJA São Paulo de 24 de fevereiro de 2021, edição nº 2726