Alvo de críticas, projeto City Câmeras registra pouca adesão da população
Voltada para o compartilhamento de câmeras particulares com a prefeitura, iniciativa terá repaginação para se tornar relevante, segundo gestão municipal
Lançado em 2017 pelo então prefeito João Doria, o City Câmeras, projeto que integra imagens de equipamentos particulares ao sistema de monitoramento da prefeitura, em convênio com a Polícia Militar, tinha como meta contar com 10 000 aparelhos conectados até o fim de 2020. Quase um ano depois do prazo final, a cidade possui apenas 3 589 câmeras incorporadas, das quais 1 985 são de munícipes que instalaram suas câmeras nas fachadas de casas e comércios e aderiram ao programa. Dessas, somente 37 estão abertas e podem ser consultadas pela população sem a necessidade de senha (veja no mapa no abaixo). A falta de interesse dos cidadãos em participar do projeto ocorre em um momento desfavorável para a segurança pública, com aumento de crimes contra o patrimônio, em especial roubo e furto de celular.
Um dos motivos que levaram à baixa participação popular está na obrigatoriedade de cada pessoa precisar pagar pelo armazenamento das imagens na “nuvem”. “Os moradores não querem arcar com mais esse custo mensal (em torno de 35 reais por câmera). Se é em prédio, ninguém sente, mas quando se fala em rua, além do valor multiplicado pelos equipamentos, a conta precisa estar em nome de apenas uma pessoa”, afirma Daniela Cerri Seibel, presidente da Associação Ame Jardins. Para aderir ao City Câmeras, o interessado deve possuir uma câmera com acesso à internet (paga pelo usuário), de alta resolução e com tecnologia HD. O site é www.citycameras.prefeitura.sp.gov.br.
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No Brás, área de maior comércio popular da América Latina, que deverá receber milhares de pessoas até o fim do ano, as 245 câmeras instaladas por comerciantes no bairro em 2017 caíram no esquecimento. “A Alobrás participou da instalação dos equipamentos, após a Guarda Civil Metropolitana mostrar os pontos estratégicos. No início foi muito bom, pois aqui da minha loja eu podia acompanhar o movimento das ruas próximas”, afirma Lauro Pimenta, presidente da Associação de Lojistas do Brás. “Mas agora estamos no escuro e órfãos do programa, pois concordamos em pagar pela manutenção das câmeras e a conexão da internet, mas o data center poderia ficar com a prefeitura.” Quem deixa de pagar pelo armazenamento remoto perde o direito de acessar o sistema.
Outra questão que pode ter inviabilizado a adesão maciça dos paulistanos foi a falta de publicidade. “Hoje ninguém mais conhece o City Câmeras. É preciso engajar e aproximar a população. Chama todo mundo para participar, vai nos condomínios e nas associações”, afirma o deputado estadual Heni Ozi Cukier, ex-secretário-adjunto de Segurança Urbana e um dos idealizadores do projeto. “Outra possibilidade seria trazer as operadoras de telefonia para participar da ideia, para o negócio ganhar escala e o custo baixar. A pessoa contrata TV a cabo, internet e telefone, e por um valor a mais contrataria a nuvem.” Como deputado, Cukier levou o modelo do City Câmeras para 42 cidades, mas até agora nenhuma comprou a ideia.
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Em nota, a prefeitura de São Paulo afirma que o City Câmeras não morreu e que, embora a meta não tenha sido cumprida, ela será dobrada. “A plataforma passará por readequação, aprimorando a funcionalidade, e passará por edital de contratação de serviço de armazenamento e gerenciamento de dados. A meta de expansão é de 20 000 câmeras integradas até 2024”, diz a nota.
Se não pegou no breu, o City Câmeras pelo menos serviu para estimular a concorrência entre os setores públicos. Criado em 2014 pelo governo do estado, o Detecta, compartilhamento de câmeras municipais públicas com o sistema da Polícia Militar, não previa em um primeiro momento convênios com entidades particulares. Agora, associações como a Ame Jardins, que não aderiu ao projeto municipal e deixou seus moradores escolherem entrar no programa de forma individual, participam da parceria com o estado e vão disponibilizar cinco câmeras de alta resolução que são voltadas para leituras de placas de veículos. Caso haja alguma alteração no cadastro do carro ou no do seu proprietário, como mandados de busca e apreensão ou prisão, o sistema faz a leitura e envia os dados para a viatura mais próxima. Nesse caso, os equipamentos não servem para o City Câmeras porque ficam com suas lentes voltadas para baixo. Questionada se não seria mais interessante do ponto de vista da segurança do bairro a Ame Jardins auxiliar no monitoramento das ruas, não dos carros, Daniela Cerri Seibel afirma que foi questão de escolha. “Priorizamos o Detecta, as câmeras inteligentes. Foi uma opção nossa.”
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Mesmo quem adere ao City Câmeras desde 2017 não tem garantia de segurança. Morador da Cidade Jardim, próximo ao Jockey Club, o advogado Marcelo Reis Lobo, presidente de uma associação local, enfatiza que a região, que sofreu com grandes assaltos até 2014, voltou a conviver com os crimes nos últimos tempos. “Não é o mesmo perfil de antes, dos grandes assaltos com ladrões carregando fuzis, mas eles estão voltando, agora para cometer crimes de oportunidade.” Para tentar reduzir a incidência de violência no bairro, Lobo e seus mais de 200 vizinhos de bairro se cotizaram para comprar 41 novas câmeras de alta resolução. A um custo de 600 000 reais, fora a manutenção mensal, o novo sistema será monitorado por uma empresa particular. Caso haja uma movimentação anormal, a polícia será acionada.
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Publicado em VEJA São Paulo de 22 de setembro de 2021, edição nº 2756