Público é espectador “infiltrado” em peça sobre retaliação contra estupro
Em 'Vingança Voyeur', plateia acompanha grupo de mulheres pelo Centro e escuta os diálogos por fones de ouvido conectados ao Zoom
Imagine estar curtindo o fim de tarde em um bar e descobrir que, entre os frequentadores e até funcionários, estão atores e atrizes disfarçados que encenam uma peça de teatro. É isso o que acontece em Vingança Voyeur, novo espetáculo do Núcleo Pequeno Ato, que estreia neste sábado (1º), no Bar Salve Jorge, no Centro. Nele, o público acompanha de perto o plano de vingança de um grupo de mulheres contra o estupro de uma delas cometido por um dos administradores do bar.
A experiência, com cerca de uma hora de duração, começa no estabelecimento, atravessa a Avenida São João e termina na sala vitrine da Galeria Olido. Os espectadores escutam como “infiltrados” os diálogos entre os personagens em celulares conectados a uma chamada do Zoom que, por sua vez, capta os áudios de uma ligação entre os atores no Discord. Na entrada, serão fornecidos apenas fones corta- ruído — cada um precisa levar seu próprio fone de ouvido e celular com o aplicativo do Zoom instalado. “É como se a plateia ouvisse conversas que não devia. Queremos mostrar que esse tipo de coisa acontece no dia a dia, que você pode estar do lado de uma mulher que está sendo violentada e nem sabe”, diz o diretor Pedro Granato, também fundador do grupo. Quanto aos índices de criminalidade na região, ele afirma que não haverá problemas. “Teremos um segurança ‘infiltrado’ também, junto do público”, explica.
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Vingança Voyeur sucede projetos da trupe que investigam as fronteiras entre encenação e público e subvertem a tradicional “caixa preta” do teatro, como Fortes Batidas (2015) e 11 Selvagens (2017), eleito um dos melhores espetáculos do ano pela Vejinha.
A trama é baseada em relatos das próprias integrantes do grupo e de ocorrências de estupro divulgadas pela mídia, como o de Klara Castanho — que teve seu caso exposto sem seu consentimento no ano passado — e o da americana Chanel Miller, violentada no câmpus da Universidade de Stanford, na Califórnia, em 2015. As personagens também levam os nomes dessas vítimas. “Percebemos que todas as meninas tinham uma situação de abuso para contar”, diz a dramaturga Julia Terron, cuja história foi a maior fonte de inspiração para o texto, que ela escreveu em parceria com Victor Moretti.“Essas mulheres criam um plano de vingança absurdo, que nunca seria possível de executar na vida real. Acabou sendo minha única oportunidade de colocar para fora todos os sonhos mais obscuros em relação ao que aconteceu comigo. É um sentimento de libertação do meu trauma”, conclui.
Vingança Voyeur. 16 anos. (90min, considerando tempo de chegada do público). Ponto de encontro: Bar Salve Jorge, Praça Antônio Prado, 33, Centro. Término: Galeria Olido, Avenida São João, 473, Centro. ☎ 94131-3696. ♿ Sáb. e dom., 17h. Grátis (retirar os ingressos uma hora antes). Máximo de cinquenta pessoas. Até 30/4. @pequenoato.
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Publicado em VEJA São Paulo de 5 de abril de 2023, edição nº 2835