“Toda Nudez Será Castigada” de Antunes economiza surpresas
Com a estreia de “Vestido de Noiva”, em 1943, o diretor polonês Zbigniew Ziembinski (1908-1978) trouxe aos olhos do público brasileiro o dramaturgo Nelson Rodrigues e uma linguagem expressionista de montá-lo persistente por décadas. Foi o paulistano Antunes Filho que, em 1981, limpou o palco, utilizando-se de mínimos elementos cenográficos e movimentos coletivos, para oferecer […]
Com a estreia de “Vestido de Noiva”, em 1943, o diretor polonês Zbigniew Ziembinski (1908-1978) trouxe aos olhos do público brasileiro o dramaturgo Nelson Rodrigues e uma linguagem expressionista de montá-lo persistente por décadas. Foi o paulistano Antunes Filho que, em 1981, limpou o palco, utilizando-se de mínimos elementos cenográficos e movimentos coletivos, para oferecer novas possibilidades de leitura na coletânea “Nelson Rodrigues – O Eterno Retorno” (1981). Por isso, a manifestação de Antunes no ano de intensa – e, como era de se esperar, irregular – celebração do centenário do autor chegou cercada de expectativas. Em cartaz no Teatro Anchieta – Sesc Consolação, a tragédia “Toda Nudez Será Castigada” (1965) ganha a cena na reta final da temporada e, junto da precisão característica de Antunes, surgem algumas falhas, facilmente relevadas em razão de seu nome.
O empresário Herculano (interpretado por Leonardo Ventura) perdeu a mulher e a vontade de viver. A preocupação tomou conta das três tias solteironas e também do irmão, Patrício (papel de Marcos de Andrade), que, falido, não quer ver a fonte de renda da família secar. Ao conhecer a prostituta Geni (representada pela atriz Ondina Clais Castilho), o casto viúvo tem a rotina transformada e, louco de paixão, a pede em casamento. Ele passa a enfrentar a revolta do filho único, o assexuado Serginho (o ator Lucas Rodrigues), e vê a frágil moral do clã pouco a pouco desabar.
Na também rodriguiana “Senhora dos Afogados”, revisitada em 2008, Antunes carregou nas tintas fúnebres. Uma estética sombria e operística incomodou muita gente, mas deixou evidente um estilo único. Agora, poucas inserções da mão autoral do encenador – sempre tão forte – podem ser percebidas em meio ao original. Uma das mais interessantes é apresentar Geni como um fantasma que assombra Herculano durante a ação, reiterando o tom de flashback do texto.
Ondina Clais Castilho aproveita as chances oferecidas e explora uma coreografia marcada e aproxima a personagem com um forte sotaque paulistano. Leonardo Ventura constrói um Herculano apenas correto, e Marcos de Andrade mistura malandragem e um tom diabólico a Patrício. Em meio a esse elenco central, porém, quem destoa de fato é Lucas Rodrigues, ainda imaturo para compreender a personalidade de Serginho, não fugindo de um estereótipo previsível e até inadequado.
Percebendo ter em mãos intérpretes no limite da eficiência, Antunes concentrou a atenção na regência desse grupo e fez um espetáculo de qualidade, mas econômico em surpresas. Faltam momentos específicos que justifiquem a grandeza de Antunes – e isso se tornaria muito mais fácil para o diretor se existissem atores capazes de recriar em cima da orientação recebida. “Toda Nudez Será Castigada” não perde a relevância, mas esperava-se mais personalidade e invenção, pontos sempre tão notáveis na trajetória do maior encenador brasileiro vivo.