Neyde Veneziano revive em livro o teatro de revista no Brasil
Na infância, a santista Neyde Veneziano via com freqüência os pais pegando a estrada para acompanhar a programação de espetáculos em São Paulo. Na maioria das vezes, eles aplaudiam os clássicos do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia). A garota, no entanto, flagrava de vez em quando a mãe cochichando pelos cantos piadas picantes para que […]
Na infância, a santista Neyde Veneziano via com freqüência os pais pegando a estrada para acompanhar a programação de espetáculos em São Paulo. Na maioria das vezes, eles aplaudiam os clássicos do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia). A garota, no entanto, flagrava de vez em quando a mãe cochichando pelos cantos piadas picantes para que ninguém mais a ouvisse. Em seguida, ela citava os nomes de Virgínia Lane, Colé e Walter Pinto.Foi assim que o teatro de revista passou a povoar a imaginação de Neyde. Depois, ela conheceu o talento e as formas de grandes vedetes, como Lilian Fernandes, Dorinha Duval e Aizita Nascimento, em programas de televisão. O tempo passou e o futuro reservou mais uma surpresa. O seu sogro, Aniceto Monteiro, havia trabalhado na Companhia de Revistas Lyson Gaster e tinha um repertório inesgotável de boas histórias. Pelos corredores da USP, Neyde resolveu vasculhar um gênero que encantou multidões e sempre foi muito pouco valorizado: o teatro de revista. Vinte e quatro anos depois de defender seu mestrado, a diretora de teatro e pesquisadora Neyde Veneziano revisitou o trabalho acadêmico e lança o livro O Teatro de Revista no Brasil: Dramaturgia e Convenções (Sesi – SP Editora, R$ 59,00). A sessão de autógrafos vai ser na segunda-feira (9), às 18h30, na Livraria da Vila dos Jardins, na Alameda Lorena, 1731.
São 24 anos de seu mestrado, certo? O que tem de tão diferente nessa edição?
Sim. São 24 anos. Esse livro foi escrito com o espanto juvenil. Eu não conhecia as regras do teatro de revista. Então, depois de gravar horas e horas de conversas com o meu sogro, Aniceto Monteiro, que reproduzia esquetes inteiros, contava da mecânica do cenário e declamava poesias, eu saí pelo mundo a falar com todos os revisteiros ainda vivos. Viajei para o Rio de Janeiro e Lisboa. Com a pesquisa, eu acabei revelando “como” se escreve para teatro de revista, provando que há regras e convenções. O livro foi muito aceito e adotado por professores. O principal motivo para essa segunda edição foi que as pessoas continuavam procurando por ele. Só que na hora em que comecei a revisar, eu me assustei de como havia sido preconceituosa. Eu falava em decadência, lamentava o fato de a revista ter se deslocado para as boates. Havia um saudosismo comum a todos os revisteiros vivos da época. Eu fui contagiada pelo mesmo sentimento. Agora, mudou meu olhar sobre o passado. E tem mais uma novidade. Um brinde para quem comprar o livro. Publicamos o texto integral da revista portuguesa Timtim por Timtim, com a ortografia da época e com a capa original desenhada pelo Bordalo, um artista famoso de lá. Portanto, trata-se de uma edição realmente revista e ampliada. Inclusive com novas fotos.
De 1989 para cá você sente que houve uma valorização da cultura do teatro de revista?
Sim. Houve muita mudança. Na verdade, meu mestrado foi o primeiro trabalho “científico” no Brasil sobre o tema. Havia dois ou três livros, mas não eram acadêmicos. Deu tudo tão certo que, antes do doutorado, eu já estava dando aula na USP em curso de pós-graduação sobre a revista brasileira. Foi também este livro que impulsionou outras pessoas, inclusive o Kleber Montanheiro, que se dedicou às montagens. Posso dizer que todos os que estudam os musicais da Broadway se interessam pela revista. Mas esse nosso teatro brasileiro de revista tem uma mecânica muito especial e diferente dos musicais americanos. Até o jeito de interpretar à brasileira é diferente.
Até que ponto essa febre dos musicais brasileiros pode estar associada a uma redescoberta do teatro de revista?
A febre de musicais, graças aos deuses, está dando ótimos frutos. Mas ainda não tivemos coragem de investir em uma revista propriamente dita, que seria uma produção muito cara. De qualquer forma, os cabarés estão aí e os musicais baseados em biografias também. Já temos de novo um teatro musical.
Por que houve durante tanto tempo esse desprezo pelo gênero?
A crítica do mundo inteiro torceu o nariz para a revista. Foi assim na Itália, na França, em Portugal e também no Brasil. Mas o povo sempre gostou. Claro que, como todos os gêneros, há os bons espetáculos e os ruins. Quem duvidaria da eficácia cômica de um Oscarito e do domínio cênico de uma Virginia Lane? O teatro de revista se apoia na comunicação com a plateia, coisa que os intelectuais da quarta parede não gostavam. Mas humor, música brasileira, crítica política, bons atores, coreografias e cenários espetaculosos encantam plateias. O público adora tudo isso.
O teatro de revista migrou para a televisão nos anos 60 em programas como o Times Square, da Excelsior. Você consegue apontar na atualidade algumas atrações que exploram a essência do teatro de revista?
Sim. O espírito da revista migrou para a televisão a ponto de criarem uma nomenclatura curiosa para as vedetes: a vedete–eletrônica. Hoje, o humor mudou. Com tantas novidades virtuais e mentes mais rápidas, a piada não é mais a mesma. Aquela do rádio, calcada na palavra, não funciona mais. Zorra Total é um bom exemplo de estrutura antiga que procura se adequar ao espírito e às estéticas contemporâneas. Há ainda outros programas humorísticos que, infelizmente, pegam da revista o que ela tinha de pior e jogam no ar quadros não muito bem-acabados.
Se você fosse montar um espetáculo de revista com um time de dez estrelas do momento, qual seria o elenco dos seus sonhos?
Claudia Raia, claro, encabeça a lista. Ela é a grande vedete do Brasil. Depois, posso citar Rachel Ripani, Cris Vianna, Débora Nascimento e Juliana Alves. A seguir, eu chamaria Juliana Paes, Fernanda Lima, Ellen Rocche e Mayana Neiva. Ângela Vieira, uma eterna vedete, também entraria no meu espetáculo. E não posso deixar de fora a Rosi Campos.