Grace Gianoukas anuncia o fim da “Terça Insana”: “darei novos saltos no precipício”
Pode separar o lencinho. A “Terça Insana” acaba em dezembro de 2014. É isso mesmo! E quem nos conta é a atriz e diretora Grace Gianoukas, de 50 anos, idealizadora do projeto e um dos principais nomes do humor brasileiro. Para fechar o ciclo, uma temporada com sessões gratuitas está programada para a Galeria Olido […]
Pode separar o lencinho. A “Terça Insana” acaba em dezembro de 2014. É isso mesmo! E quem nos conta é a atriz e diretora Grace Gianoukas, de 50 anos, idealizadora do projeto e um dos principais nomes do humor brasileiro. Para fechar o ciclo, uma temporada com sessões gratuitas está programada para a Galeria Olido durante o mês de outubro. Na terça (7), às 19h30, Grace divide o palco com a atriz Mila Ribeiro e o cantor Tiago du Guetto. Agnes Zuliani, Nilton Rodrigues, Guilherme Uzeda, Sidney Rodrigues, Darwin Demarch e Silvetty Montilla são os convidados dessa reta final estendida até o dia 28. Os ingressos podem ser retirados na bilheteria do local uma hora antes de cada apresentação.
Ainda é possível renovar a “Terça Insana”?
O que conseguimos desenvolver no palco nesses 13 anos sempre foi muito mais enriquecedor para todos os que participaram do projeto. Cerca de 380 artistas já passaram pela “Terça”. São 700 personagens e centenas de cenas e roteiros diferentes. Eu jamais teria espaço pra fazer algo assim na televisão, por exemplo. O tamanho de equipe não é problema. Cheguei a ter 29 pessoas comigo em diferentes áreas, porém, em relação ao controle de produção e conteúdo, é humanamente impossível cuidar de tudo no teatro e na TV. Hoje, eu formei uma equipe que me ajuda a fazer isso com o pé nas costas. Por isso, a “Terça Insana”, no formato atual, está se despedindo dos palcos.
Conta um pouco mais dessa despedida. É sério?
Vamos encerrar esse formato no final de 2014. O festival da Galeria Olido faz parte das nossas despedidas. Teremos a participação de nove artistas que estiveram nos nossos palcos nos últimos quatro anos. Entre 19 e 21 de dezembro, no Teatro Bradesco, encerraremos aqui em São Paulo a ultima turnê nacional. Vai ser a “Terça Insana, Adiós Amigos”.
E o que vem por aí?
No ano que vem, a Terça Insana Produções Artísticas se amplia para abraçar novos projetos, produtos e frentes de trabalho. O meu desejo de mudanças já existe há, no mínimo, quatro anos, porém, todo ano, quando chega outubro e novembro, os produtores do Brasil inteiro já começam a ligar para fechar a agenda do ano seguinte. Assim, os meus projetos vão ficando arquivados. Por isso, estamos mudando as coisas. Eu tenho três projetos de espetáculos, todos solos, que já começaram a ganhar corpo para subir ao palco no ano que vem. O primeiro é o “Estado de Grace”. Tem outro chamado de “Morrer Seria Ótimo, Uma Tragicomédia Para Quem Gosta de Viver”, que vai fazer uma grande homenagem ao teatro. O terceiro foi batizado de “Reféns”, em que vou interpretar textos de quatro grandes autores, cada um deles comandado por um diretor diferente.
E existem projetos envolvendo tradicionais parceiros da “Terça Insana”?
Temos os novos produtos “Terça Insana”, como “Mulheres Insanas”, que apresentamos há pouco no Teatro Folha, e ainda um Festival de Solos dos atores da “Terça” dirigidos por mim. Também vamos produzir espetáculos de música e infantis e existem dois projetos de televisão. O que me faltou até agora foi tempo para instalar tudo isso. Como estou com uma equipe maior de produtores vai ser possível viabilizar boa parte disso. Assim eu também vou poder aceitar convites que aparecem para participações em televisão e cinema. Eu recuso muito coisa maravilhosa por questão de agenda mesmo. Em breve, darei novos saltos no precipício.
Você é uma espécie de pioneira de um tipo de humor que tomou conta do Brasil na última década – esse tipo de comédia de improviso calcada em personagens. Como você enxerga essa onda nos nossos teatros e da TV?
Como se sabe, sempre que surge um trabalho artístico interessante, como foi o caso do nascimento da “Terça Insana”, a “intelligentsia” começa a comentar, a imprensa vem conferir, o “beautiful people” passa a frequentar. Logo, o público também comparece e, a partir daí, outros artistas se inspiram naquele projeto. A indústria do entretenimento, sempre ávida por novidades, se “inspira” no tal projeto para criar um produto de venda para massa. E como se faz isso? Arranca-se a alma do objeto de arte e se vende só o formato. Para a indústria do entretenimento, não interessa o conteúdo. Interessa o lucro. É um fenômeno natural. Tudo que é “vanguarda”, mais cedo ou mais tarde, vira instituição.
Pensa que poderia ter surfado nessa onda de alguma forma, principalmente na televisão, e não rolou?
Durante os 13 anos da “Terça Insana”, recebi inúmeros convites para levar esse trabalho para a televisão. Chegamos a apresentar um projeto para a Band. Depois, fizemos um piloto dirigido pelo Rodrigo Carelli, levamos para algumas redes que nos queriam, mas, quando os chefes assistiam ao material, achavam estranho, muito diferente ou, então, pouco popular. Ouvi perguntas do tipo “por que vocês não fazem uma coisa do tipo ‘Saturday Night Life’?”. E eu respondia: “ué? Porque o ‘Saturday Night Life’ já existe. Para que fazer uma coisa igual?”. Eu gosto de invenção e ousadia, de arriscar e navegar rumo ao desconhecido. Você pode morrer afogado, claro, mas também pode descobrir um mundo novo. E, de uma coisa eu sempre tive certeza, não pararia a “Terça Insana” no teatro para fazer um programa semanal na televisão.
O mundo encaretou, as patrulhas não dão trégua. Não está mais difícil saltar no precipício para um comediante?
Querido, eu acho que o mundo está corporativo, uma repetição de frases feitas, uma hipocrisia, uma falta absoluta de conhecimento e de opiniões relevantes. O índice de bunda-mole por metro quadrado aumentou muito. Vejo uma covardia, um oportunismo e uma preguiça enorme de adquirir conhecimento. Sinceramente, para mim, isso já é motivo para rir, uma vez que chorar só vai me deixar ainda mais deprimida com as perspectivas de futuro.
O politicamente correto pode ser de alguma forma saudável para a comédia?
Acho tem gente repetindo no palco piadinhas velhas. Sabe aquele papinho de rodinha de homem, papinho de banheiro ou de ponto de táxi? E ficam se achando grandes transgressores. Quando se ofendiam homossexuais, negros, índios, louras ou obesos, estas pessoas eram obrigadas a se calarem ou rirem envergonhadas, fingindo que também achavam graça para não serem mais zoadas ainda. Hoje, as minorias estão organizadas. A sociedade está de pé e tanto os caretas quantos os transgressores têm direito de colocar em público suas posições. Diga o que quiser no palco, mas não reclame das reações. A gente pode falar tanta coisa engraçada sem ofender as pessoas. Como disse o Goethe: “o caráter de um homem se mede pelas coisas que ele acha engraçadas”.
Quando a “Terça Insana” estreou, o Brasil era diferente. Pelo menos socialmente falando… Qual a grande diferença que você nota para o bem e para o mal na plateia da “Terça Insana” pelo país afora de lá para cá?
O país mudou bastante mesmo, mas acho que temos a sorte de ter um público fiel, que sabe o que esperar de nós. Claro que a plateia se ampliou muito, nem todo mundo entende todas as ironias dos textos, mas quem não entende uma coisa, entende outras. Nossos espetáculos transitam por vários estilos de linguagem e abordagem. Eu percebo que nos estados brasileiros em que o mercado literário é mais aquecido, por exemplo, o espectador acompanha e não perde uma piada.
Você precisou fazer alguma adaptação para as piadas em nome das gargalhadas?
Observa esse comentário que eu fazia na boca de uma personagem: “as pessoas acordam de manhã, saem de suas casas pelo sol, entram no ambiente fechado de uma academia, correm numa esteira eletrônica, vendo Ana Maria Braga ou usando o seu celular último lançamento. Saindo de lá, vão comprar produtos orgânicos no Pão de Açúcar, depois pegam uma bicicleta do Itaú, vão pedalar na cidade seca e poluída e se acham saudáveis, ecológicas e politicamente corretas”. Querido, você acha que isso é uma piada? Para mim é, muito gente não entende o sarcasmo, mas eu não vou tirar essa reflexão do texto. Claro que muitos não sabem quem foi o cineasta Pier Paolo Pasolini ou artista plástico Jean-Michel Basquiat. Então, eu acrescento referências mais populares, como Frida Kahlo ou Steven Spielberg, mas eu não deixo de citá-los, nem que seja para provocar uma curiosidade.
Uma pergunta baixo-astral… Se a “Terça Insana” tivesse fracassado, ainda lá no tempo do N.Ex.T., como seria sua vida agora?
Eu tenho 31 anos de carreira e 13 deles foram dedicados ao “Projeto Terça Insana”. Antes disso, eu fiz vários espetáculos, programas de televisão e projetos que foram um sucesso para o nicho de público que eles visavam atingir. Mas “Terça Insana” foi realmente foi um fenômeno inesperado de aceitação. As coisas tiveram que mudar um pouco na minha vida. Deixei de ser uma atriz que tem uma microempresa só pra dar notas para comercial e participações em televisão. Eu me tornei uma empresária. Sou dona de uma produtora cultural, com sede própria, funcionários registrados e com FGTS, rede de computadores, departamento financeiro e tudo o que mais você pode imaginar. Tive que aprender a fazer projetos para leis de incentivo, contratos, logística de turnê, anúncios, marketing, orçamento com fornecedores. A coisa mais encantadora da “Terça Insana” foi poder ajudar tantos artistas a desabrocharem. Meu trabalho foi o de iluminar talentos que eles traziam, mas não tinham consciência.
Você deixou um pouco de ser atriz nesse inevitável mergulho na burocracia?
Eu sempre quero desistir de ser atriz, mas a vida não deixa. Sempre que disse “chega” surgiu uma oportunidade inegável. Por exemplo, quando comecei a “Terça Insana”, queria mesmo era arrendar o bar do N.Ex.T., mas não tinha capital. Resolvi me oferecer como programadora das atrações culturais de lá e tive a ideia de fazer um encontro de artistas nas terças para a gente tentar criar cenas cômicas para dar uma renovada na linguagem de humor. Se nada disso, tivesse rolado como rolou, eu teria continuado inventado projetos culturais. Eu não sou uma pessoa pacata. Não sou a criatura que aceita e louva o sistema porque nele se sente segura e que vai engolindo tudo que aparece pela frente. Sou uma chata! Tudo que se apresenta em minha frente, eu analiso: “isso tem a ver comigo? Isso me traduz? Isso é do bem? Isso melhora o mundo? Para que precisamos disto?”. Eu não consigo me conformar com certas coisas. Atualmente, tenho vontade de estudar botânica ou biologia. Já pensei em física também. Poderia estar fazendo isso se a “Terça Insana” não tivesse rolado.
Quer saber mais sobre teatro? Clique aqui.