Vejinha 35 anos: relembre as casas noturnas favoritas dos paulistanos
Madame Satã, Gallery, Rua Franz Schubert, Pink Elephant e Baixo Augusta: lugares marcaram as últimas três décadas com muito agito
São Paulo abriga diferentes espécies noturnas. Entre os punks e playboys, surgiram nas últimas décadas mauricinhos, patricinhas, clubbers, pavões, peruas, ravers e mais alguns tipos. No início dos anos 80, nove entre dez eram adeptos das discotecas. Mas elas foram substituídas pelas casas noturnas dedicadas ao rock e pelo porão do Madame Satã, na Bela Vista, que ficou quente. Literalmente também, vale registrar, já que ele dispensava ar-condicionado.
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A partir dali, as figuras da cena noturna desbravaram o inóspito Largo da Batata, encararam trânsito na Rua Franz Schubert, foram barrados (ou não) por hostess implacáveis dos Jardins, viraram a noite e o dia nas raves, ocuparam os camarotes milionários da Disco e da Pink Elephant, viram ressurgir a Rua Augusta e entrar em decadência as baladas de luxo. Antes da pandemia, dançaram em fábricas antigas e topos de prédios. Acompanhe a linha do tempo da diversão que a Vejinha registrou.
1986 — O rock domina
As discotecas estavam em baixa e crescia o interesse pelo rock e suas vertentes, como a “mais arrumadinha”, do RPM. Com a proliferação das bandas, teatros como o Lira Paulistana, assim como a casa noturna Rose Bom Bom, se tornaram palco para receber essa turma.
1986 — Porão icônico
Se existia qualquer rixa entre tribos, ela acabava no Madame Satã. Fundado em 1983 e extinto em 1992 pelo ex-seminarista Wilson José e seus dois irmãos, o espaço abrigava punks de moicano, darks, engravatados e artistas. Angeli, a já reclusa Rita Lee, Ignácio de Loyola Brandão, Claudio Tozzi, um tal de Aécio Neves da Cunha e Mônica Montoro, escritora e, na época, filha do governador de São Paulo, Franco Montoro, se acotovelavam no porão do casarão destruído na Bela Vista. “Ele faz sucesso porque é descaracterizado e ultrapassa os modismos de cada semestre”, definiu a fotógrafa Vania Toledo na edição.
1988 — Sucesso curioso no Largo da Batata
O AeroAnta ficou até 1996 no então inexplorado Largo da Batata. Conquistou fãs por não exigir dos baladeiros uma superprodução do figurino. Os jovens se aglomeravam em frente aos banheiros no espelho coletivo, novidade na época. Caetano Veloso ia atrás do cachorro-quente. Lá, os integrantes dos Titãs se arriscaram no samba numa noite de improviso. Com capacidade para 600 pessoas, a casa reunia o mesmo número de jovens do lado de fora, na fila. O sucesso ajudou até mesmo o comércio das proximidades, caso da lanchonete Calabrezão.
1990 — Bola da vez
No início dos anos 90, a Rua Franz Schubert ficava lotada. A cada 30 metros da via havia em média uma danceteria. O clima entre elas era amistoso, afirmavam os donos. Os perfis diferentes de cada uma dividiam o público em especial pela idade, que variava entre os 18 e os 60 e tantos anos. Naquele mesmo período, Pinheiros ganhava novo fôlego, em especial com os jovens. Nos anos seguintes, eles ocupariam as ruas da Vila Madalena.
1991 — Para poucos
O Gallery abrigava a alta sociedade, mas vivia “dilemas” com os “novos ricos”. “Comecei servindo vinho italiano para a família Matarazzo”, dizia o maître. “Hoje, sirvo casais simpáticos que moram no Tatuapé. Não sei como se chamam, mas pedem champanhe francês.”
1992 — Fauna notívaga
Setenta baladas, com festas de segunda a segunda, atraíam novos tipos para as pistas. Prepare-se para a nomenclatura da época: havia pavões e peruas, tigrões (homens acima dos 35 anos que andavam com as mangas dobradas e correntinhas no pulso), casais moeminha (hoje moemers), moderninhos e walters, que gostavam de parecer intelectuais.
1993 — A turma de neon
Em Santa Cecília, o Sra. Krawitz surgiu com um conceito de “clube”. Daí veio o nome dos novos integrantes da noite: os clubbers, que já marcavam presença em outra casa, o Massivo. A turma ousava nos figurinos extravagantes, com plataformas e neon, e nos hábitos. “Você junta na pista uns cinco amigos, homens e mulheres, e passa a trocar carinhos mútuos”, explicou na edição Bebete Indarte, uma das figuras famosas entrevistadas. As portas também se abriram para as drag queens, até então marginalizadas. No mesmo ano, “A noite da moçada” mostrou os locais de cada patota. Sinuca, boliche e até lojas de conveniência serviam como cenário para a paquera.
1994 — Lucro alto
A noite paulistana vira negócio milionário. Entre os endinheirados (e solteiros) donos de empreendimentos estava Luciano Huck. Estratégias questionáveis para atrair público, desavenças, temperamentos explosivos e desfiles de carrões eram rotina de parte dos catorze empresários à frente de doze casas noturnas do Itaim, Jardins e Vila Madalena. Juntos, eles entretinham 10.000 paulistanos por noite.
1999 — Bate-estaca
O fenômeno eram as raves que saíam do amadorismo. As festas, realizadas principalmente em sítios e fazendas ao redor da capital, levavam os baladeiros para dezessete horas de folia. Pirotecnia, bungee jump, cama elástica, muro de escalada, trance e DJs renomados eram as atrações. O público, composto de clubbers, cybermanos (clubbers da periferia), skatistas, surfistas e até mauricinhos e patricinhas, investia no visual de cores neon e muito glitter.
2002 — Bairro baladeiro
Considerada a versão ampliada da Rua Henrique Schaumann e da Rua Franz Schubert, a Vila Olímpia se tornou o principal reduto do agito dos anos 2000. Tinha muito trânsito — com paquera no carro mesmo. A concorrente Vila Madalena não incomodava, já que a aposta ali era o luxo, com direito a seleção de quem entra ou não na danceteria, de acordo com conta bancária e aparência. A Disco era o auge.
2005 — Invasor
O ecstasy se espalhava pelas raves e casas noturnas. A reportagem conta que foi preciso apenas 92 segundos em uma festa para ser abordado por um traficante. O criminoso, assim como outros que foram presos, vinha de classe média alta. Apesar de a droga já estar presente no início da década, havia apenas um registro de morte por causa dela. No entanto, desde então ela já preocupava médicos e autoridades. Para investigar, policiais se disfarçavam de mauricinhos, com roupas de marca, dirigindo carros importados que tinham sido retidos. Em cinco meses de operação, foram apreendidos mais de 10.000 comprimidos.
2007 — Novo principado
A concorrência se acirrava entre as casas de luxo na Vila Olímpia e no Itaim. Uma leva de empresários (muitos herdeiros) disputavam a clientela abastada e os patrocínios das marcas. Buddha Bar e Cafe de la Musique eram alguns dos queridinhos.
2009 — Guerra dos camarotes
A chegada da Pink Elephant movimentou as casas de luxo. As regras para entrar ficaram cada vez mais rígidas e não bastava apenas ter dinheiro. As hostess sabiam exatamente o nome dos que podiam entrar, quem eram os ricos de verdade, os falidos, os herdeiros… Nas baladas, era preciso comprar camarote de 3.000 reais, além dos drinques e da tal da bebida que pisca. O visual também era importante. As meninas tinham de ter como exemplo Heleninha Bordon e os rapazes deveriam usar camisas Ralph Lauren ou Lacoste com calça Diesel. As contas podiam atingir 40.000 reais.
2009 — O retorno
Depois de décadas abandonada, a Rua Augusta voltava para o mapa das baladas com o surgimento de novas casas em quatro anos. A área se transformou no Baixo Augusta. Vegas, Studio SP e Astronete eram alguns espaços que levantavam o ânimo da região. Alternativos, roqueiros, prostitutas e até a turma fã do circuito Itaim-Vila Olímpia dividiam as calçadas nas filas das baladas.
2010 — Meteoro sertanejo
O som de Luan Santana e Fernando e Sorocaba marca a invasão de um gênero novo: o sertanejo universitário, que saía dos shows e despontava nas pistas das baladas. A primeira casa de luxo a apostar no estilo foi o Cafe de la Musique. Anos depois veio a explosão de vez, com o surgimento da Woods e da Villa Mix.
2011 — Sucesso por acidente
Facundo Guerra esteve à frente do Vegas, que deu o pontapé para a valorização do Baixo Augusta. Com outros três espaços, a exemplo da Lions, atraía quase a metade dos 60.000 baladeiros que se dividiam entre outras seis casas queridinhas, como The Week, D-Edge e Kiss & Fly.
2016 — Em novas mãos
As baladas de camarotes exuberantes já não pegavam. Sobreviventes, Disco e Provocateur anunciaram as noites derradeiras e desligaram os pickups. Foi o terreno fértil para as agências de festas, dez na época. Em vez de investir em um espaço a longo prazo, com contas fixas e funcionários, a ideia era apostar em um evento arrasa- quarteirão, em lugares bonitos e pouco usados para esse fim, como hípicas, o Jockey e até estádios de futebol. Se fosse sucesso, era só repetir depois.
2020 — Itinerantes
Antes da pandemia, festas eram em locais inusitados, como uma fábrica antiga ou o topo de um prédio charmoso. Para chamar a atenção dos baladeiros a fim de sair da mesmice, valia até descobrir o endereço horas antes de a folia começar. Aqui, caiu de vez o hábito das décadas anteriores de barrar o público. Quanto mais diverso, melhor, com direito a projetos politizados, trilha sonora plural e discursos de liberdade.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 7 de outubro de 2020, edição nº 2707.