Filmes e programas de TV retratam vida de pessoas com deficiência
Os longas 'Saudade Fez Morada Aqui Dentro' e 'Assexybilidade' e o especial 'Falas de Acesso' estreiam nesta semana
Um garoto de 15 anos precisa reaprender a viver quando recebe o diagnóstico de uma doença degenerativa que o faz perder a visão gradualmente. Esse é o enredo de Saudade Fez Morada Aqui Dentro, filme dirigido por Haroldo Borges, que estreia na semana do Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência (21 de setembro).
Além do longa de ficção, entra em cartaz o documentário Assexybilidade, de Daniel Gonçalves, que apresenta histórias sobre sexualidade de pessoas com deficiência física ou intelectual.
Na televisão, o programa especial Falas de Acesso vai ao ar na segunda-feira (23) na TV Globo, com depoimentos e experimentos sobre acessibilidade. Há outros projetos em fase de produção. Juntos, dão início a um movimento de representatividade no audiovisual brasileiro.
“É uma luta de muito tempo e tem começado a haver uma mudança”, afirma Borges, diretor do filme que entrou para a pré-lista do Brasil de possíveis indicações ao Oscar 2025.
Para narrar a história do garoto de 15 anos, ele contou com a ajuda da produtora e roteirista Paula Gomes, que tem deficiência física, e uma parceria com o Instituto de Cegos da Bahia. “Eles nos acompanharam durante a produção e fizeram dinâmicas, como passar a tarde vendados”, diz.
“Conhecemos pessoas que nos contaram suas histórias e reforçaram a necessidade de um lugar de respeito e dignidade, e não de vítima.” Paula acrescenta: “Se uma pessoa com deficiência assistir e se sentir representada, vai ser a grande conquista”.
Antes de Assexybilidade, Gonçalves fez o autobiográfico Meu Nome É Daniel (2019), que afirma ter sido o primeiro longa dirigido por uma pessoa com deficiência no Brasil. “Por mais que eu ache legal ser meu filme, acho muito ruim ter sido só em 2019”, comenta.
Para o documentarista, o que falta é a presença do grupo nas equipes técnicas. “Piadas ofensivas e cripface (prática de utilizar atores sem deficiência para interpretar pessoas com) só vão deixar de acontecer quando as histórias forem contadas por nós”, complementa. “Mas a gente também pode e tem muita capacidade de escrever roteiros sem ligação com o tema.”
O ator e cineasta Pedro Henrique França, que divide a direção do Falas de Acesso com Gonçalves, é categórico ao dizer: “A discussão praticamente não existe. São poucos representantes”.
O programa da TV Globo é dividido em um núcleo documental e outro dramatúrgico, com entrevistas e cenas fictícias inspiradas nas vivências, com a participação de Eduardo Sterblitch e Leticia Colin (nos papéis de pessoas sem deficiência).
França, que tem nanismo, também está iniciando a produção do documentário Tamanho P, sobre os efeitos do humor na perpetuação de preconceitos como o capacitismo, previsto para começar em 2025.
Já em fase de gravação nos Estúdios Globo, 90 Decibéis, escrito por Julia Spadaccini e dirigido por Fellipe Barbosa, terá elenco de pessoas com deficiência, encabeçado por Benedita Casé Zerbini, e contará a história de uma mulher que está perdendo a audição. Tanto a roteirista quanto a atriz principal têm deficiência auditiva, em diferentes níveis.
A inspiração para o filme veio da experiência pessoal de Julia, apesar de não ser um trabalho biográfico. “É ficção, mas passa por questões muito parecidas e fala sobre a surdez de quem ouve, que não costuma ser tão falada quanto a dos surdos não oralizados”, explica a roteirista.
“Não vemos protagonismo. Não vemos beijo romântico de pessoas com deficiência em lugar nenhum.” Por fim, ela reivindica: “Queremos aparecer em todos os lugares onde todas as pessoas aparecem”.
Publicado em VEJA São Paulo de 20 de setembro de 2024, edição nº 2911