‘Homem com H’: cinebiografia mergulha no inconsciente e no mistério de Ney
Vocalista do Secos & Molhados é cuidadosamente interpretado por Jesuíta Barbosa, sob direção de de Esmir Filho

Há uma série de atributos que fazem de “Homem com H” uma das grandes promessas de sucesso do cinema nacional neste ano. Para começar, cinebiografias musicais costumam ir bem de bilheteria, e esta tem como foco um artista sublime e especial: Ney Matogrosso. O cantor de 83 anos de Bela Vista, Mato Grosso do Sul, marcou gerações com voz e performances extraordinárias. Cinquenta anos depois da estreia na música, ele segue firme repercutindo e movimentando a cultura do país, com apelo a diversos públicos.

O filme de Esmir Filho reconta a vida do ícone a partir da infância. As primeiras cenas mostram um pequeno Ney em meio à floresta, em contato com árvores e bichos. A tranquilidade da conexão é logo perturbada por agressões dentro de casa, sem nem um motivo aparente. O pai mandava “virar homem” e falava que não teria filho artista. Com o tempo e a maturidade, ele vira um jovem adulto, interpretado com tremendo esmero por Jesuíta Barbosa, e dá um basta no autoritarismo. Sai de casa e inicia-se então uma jornada para se provar ao pai e ao mundo. Acompanhamos a descoberta da voz, o início de carreira com o Secos & Molhados e o inevitável estopim da fama. Em paralelo, surgem os amores, como Cazuza (Jullio Reis) e Marco de Maria (Bruno Montaleone), e a trágica epidemia de HIV nos anos 80.

O final reforça a noção de que Ney é uma força ancestral e visceral e sua trajetória é uma alegoria inigualável da potência da cultura brasileira. O diretor captou com precisão essa perspectiva e buscou mergulhar nas águas do inconsciente e no mistério da figura emblemática. As músicas do cantor estruturam o roteiro e funcionam como engrenagem narrativa. Jesuíta entrega um trabalho esplêndido, com uma preparação de corpo e voz perceptivelmente cuidadosa. A direção de arte e a fotografia dançam com o ator em um balé de glória a Ney.

Publicado em VEJA São Paulo de 9 de maio de 2025, edição nº2943.