‘Emilia Pérez’ é um desastre hipnotizante que desperdiça potencial
Não dá para desviar o olhar da bagunça que é este musical desafinado de Jacques Audiard, estrelado por Karla Sofía Gascón

Um grande desastre. Não há palavras melhores para descrever a campanha do musical Emilia Pérez, de Jacques Audiard, na corrida pelo Oscar.
O principal concorrente de Ainda Estou Aqui tentou, mas não conseguiu mudar a opinião do público latino, descontente com o fato do filme retratar o México com um diretor francês, um set em Paris e um elenco europeu e americano.
A coisa só piorou quando vieram à tona comentários racistas e xenofóbicos da atriz Karla Sofía Gascón no X (antigo Twitter). Realidade à parte, a ficção em si tem qualidades e defeitos.
Karla interpreta — muito bem — Manitas, um líder de cartel que contrata a advogada Rita (Zoe Saldaña) para ajudá-lo na transição de gênero e iniciar uma nova vida. Ele “morre” para se tornar Emilia Pérez. A situação se complica quando decide, anos depois, se reunir com a família.
Não dá para ignorar que, de fato, o filme poderia ter se passado em qualquer lugar do mundo e os únicos elementos que podem ser associados ao México são os cartéis e o idioma espanhol — por vezes mal falado.
Há números musicais curiosos, e no mínimo camp, como uma canção sobre operação de redesignação sexual. A narrativa alterna rapidamente entre drama, crime e até ação. Funciona e entretém, mas sofre para encontrar o tom nos vocais — Zoe é a única que salva cantando.

O diretor tem a intenção de criar uma sátira, mas isso não deveria significar abrir mão de boas vozes — ou de uma pesquisa sobre a causa trans que evitasse reforçar velhos estereótipos. O potencial é prejudicado.
Fica gritante como a ideia original era ser uma peça, e não um filme. O diretor tirou inspiração de uma personagem secundária do romance Écoute (2018), do francês Boris Razon.
Em suma, é um desastre hipnotizante — não dá para desviar o olhar.
NOTA: ★★★☆☆
Publicado em VEJA São Paulo de 7 de fevereiro de 2025, edição nº 2930