Como a produção de ‘Ainda Estou Aqui’ reconstruiu a casa da família Paiva
Com a ajuda dos filhos de Eunice e Rubens, o diretor Walter Salles criou uma ambientação “idêntica”, até com “cheiro semelhante”
Uma personagem fundamental no filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, que conta a história real de Eunice e Rubens Paiva, é a casa em frente à Praia do Leblon onde a família morou entre os anos 60 e 70, durante a ditadura militar.
“Havia ali uma rotina de uma família com qualidades e defeitos, com alegria, com música, num lugar paradisíaco que era o Rio de Janeiro nos anos 60 e 70, e que de repente tem uma interrupção brutal”, conta Marcelo Rubens Paiva, autor do livro homônimo que inspirou o filme.
O casal e os cinco filhos moravam em um sobrado na Avenida Delfim Moreira. Na época, a rua só tinha um prédio e o bairro não era valorizado como hoje. “Aquela casa foi um achado”, conta o escritor. Com a prisão e o assassinato de Rubens Paiva pelos militares, a família voltou para São Paulo e o local foi vendido para a construção do Edifício Tom.
Para captar a essência e a atmosfera do lar da família, o diretor do filme recorreu a diversos recursos. Primeiro, sua vivência: “Tive a sorte de conhecer [a casa] no final dos anos 60”, conta o cineasta.
Salles explica que, no processo de pesquisa das locações, foi coletada uma sequência de fotos da construção original, com um detalhamento da sua arquitetura e do estilo predominante no Leblon no início dos anos 70. “Encontramos uma casa erguida exatamente na mesma década, no início dos anos 50, com os mesmos dois pisos e uma distribuição interna muito semelhante à casa original”, diz.
Apesar do enredo se passar no Leblon, o cenário fica na Urca. O imóvel foi comprado por R$ 14 milhões, segundo o jornal O Globo, e cedido pelo proprietário para as gravações do longa.
Em seguida, houve a colaboração dos irmãos, em especial de Ana Lúcia, ou Nalu, como é apelidada. A produção criou um grupo chamado “Fotos de família” no WhatsApp e cada um deles compartilhou o que tinha. “Nalu tinha uma memória fotográfica da casa. Ela nos enviou croquis com a disposição dos móveis em cada um dos cômodos, incluindo as cores da mobília e dos quadros”, comenta Salles.
“O Walter pediu imagem dos interiores e eu lembro de cor”, afirma Ana, consultora de empresas. “Peguei e desenhei em um papel a planta do andar de baixo e do andar de cima. Coloquei sofá, poltrona, onde jogavam gamão, os quartos, o escritório só dos adultos. Fiz sem me pedirem. Depois, ele me escreveu agradecendo e dizendo que estava há semanas tentando entender como fazer e que ajudou muito. Eles utilizaram e respeitaram.”
Segundo o diretor, essa “riqueza de detalhes” ajudou o diretor de arte Carlos Conti a reencontrar o espírito da casa original. “No início das filmagens, quando o Marcelo visitou o set, ele entrou e disse: ‘Até o cheiro é semelhante’. Foi um alívio e tanto (risos)”, brinca.
“Acharam uma casa idêntica e fizeram ali um tratamento de pós-produção que encaixou exatamente no lugar que a gente morava”, analisa Marcelo.
História real de Ainda Estou Aqui
O longa narra a história real de Eunice Paiva, interpretada por Fernanda Torres e Fernanda Montenegro em diferentes idades. Após o desaparecimento do marido, Rubens (Selton Mello), durante a ditadura, ela virou um símbolo da luta contra o regime militar. A inspiração veio do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva sobre a história dos pais.