Em ‘No Bears’, Jafar Panahi mantém a força de seu cinema político
Longa venceu o prêmio especial do júri no Festival de Veneza e ganhou exibições na Mostra SP

✪✪✪ O fato de o cineasta iraniano Jafar Panahi ter conseguido fazer filmes na última década é um ato de resistência singular. Perseguido pelo governo de seu país, o diretor foi condenado em 2010 a seis anos de prisão e proibido de lançar novos trabalhos por vinte anos.
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Seu crime? Questionar as contradições da sociedade conservadora do Irã e criticar líderes políticos e religiosos. Mesmo assim, o diretor encontrou meios de driblar as restrições e seguir filmando, ao conseguir atenuar a pena para a prisão domiciliar.
Desde Isto Não é Um Filme (2011) até este novo No Bears, exibido na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Panahi tem usado seu cinema para refletir sobre sua situação, colocando-o em cena como protagonista das obras, sem deixar de lado a tarefa de contar histórias envolventes e de humor mordaz. Tornou-se ainda mais celebrado, com prêmios em Cannes, Berlim e Veneza, os principais festivais do cinema de autor.
Em No Bears, o diretor aparece num pequeno vilarejo iraniano, de onde comanda à distância as filmagens de uma ficção sobre um casal que tenta imigrar ilegalmente para a Europa ocidental. Escondido na aldeia, Panahi (ou a versão personagem de si mesmo) convive amigavelmente com os locais, até ser colocado no meio de uma discussão sobre um relacionamento arranjado prestes a dar errado.
O filme então discute as rígidas regras da comunidade local, intolerância, liberdade e as lendas locais, como a dos ursos que cercam as casas e podem atacar quem quiser ir além de onde as pessoas se concentram. Uma metáfora sobre as forças sempre à espreita querendo dizer o caminho por onde se deve ou não ir.
Na vida real, porém, não se trata apenas de figura de linguagem. Em julho deste ano, Panahi foi encarcerado após protestar contra a perseguição de outros cineastas conterrâneos. Da prisão, enviou uma carta para o Festival de Veneza, onde seu filme foi exibido e agraciado com o prêmio especial do Júri. “A esperança de poder criar novamente é uma razão para existir”, escreveu.