Uma carta de amor aos emocionados
Gabie Fernandes, que sempre lidou bem com críticas construtivas, foi chamada de ‘emocionada’ demais, mas advoga em prol do amor como caminho nas relações
Admiro um tanto pessoas que levam críticas numa boa. Eu quase sempre sofro de leve. Ainda mais quando sei que a crítica em questão faz total sentido. Chega a doer quando alguém pega no ponto exato no qual você tem certa insegurança. Mas, ainda assim, críticas construtivas são necessárias, importantes, mostram o caminho, são responsáveis por recalcular a rota e, se não fossem as críticas construtivas, muito provavelmente eu não teria feito metade das grandes coisas que fiz. Sigo aprendendo a lidar e tenho feito as pazes com elas.
Esses dias quase achei que atingiria um novo estado de autoconsciência. Acreditei por breves momentos que, devido a experiência, estudo, muito yoga e uma dose de amigos muito lúcidos, eu conseguiria compreender toda e qualquer opinião sobre mim e meu trabalho, que eu observaria com todo o respeito que a situação merece e aí então tiraria o melhor das opiniões alheias. Que engano.
Recentemente inaugurei um novo medo em mim: o de receber uma crítica sobre um defeito que para mim era uma grande qualidade.
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Receber opiniões contrárias sobre aquilo que eu também discordo em partes é relativamente fácil, mexe com ego, é verdade, mas ainda assim uma voz lá no fundo diz que o melhor aconteceu. Mas quando você recebe uma crítica sobre algo que para você permanecia intacto numa redoma de cuidado… Algo se parte.
Ouvi, por agora, que eu sou carinhosa demais. Demonstro afeto demais. Cuido demais. DEMAIS, DEMAIS e DEMAIS. Acho que é uma palavra que me define bem. Antes eu acreditava que ser demais era bom, hoje percebo que só se tem demais quando sobra. E ninguém quer ser o excesso, porque ninguém quer o excesso.
Há poucas semanas eu nomearia ser carinhosa demais como o grande pilar das minhas qualidades, hoje já coloco isso em dúvida. eu, que sempre fui a grande sincericida da turma, tão honesta com quem quer que fosse, levei a fama de coração frio… E agora, no auge dos meus 20 e poucos anos, me vi no lugar da “emocionada”.
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E, portanto, posso falar com propriedade de causa, já que estive nos dois mundos, que emocionados sofrem demais. Somos incompreendidos pelo mundo que troca afeto relativamente proporcional ao grau de comprometimento, só se dá aquilo que recebe, e nós, pobres emocionados, entregamos sem pensar na possibilidade de ganhar o que quer que seja.
É difícil explicar que quero carinho, amor incondicional, respeito e diálogo sem querer uma relação séria, dentro das normas preestabelecidas. Parece que o pacote é comprado junto: “Quer carinho? Namore”.
Mas nós, os emocionados, buscamos entregar aquilo que o mundo tem esquecido: gentileza. e ser gentil passa por ser recíproco, afetuoso, carinhoso e, vai…, um pouco carente.
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Tenho buscado entender como essa crítica construtiva ao meu jeito de ser vai reverberar em mim. Não sei se consigo ser a mesma sem entrar num lugar de discordância comigo. Não sei se assumo meu lugar de emocionada ou passo a guardar meus melhores carinhos aos mais chegados. Devo eu me reinaugurar em mim!?
Os emocionados sofrem muito, coitados de nós! Pensamos demais, sentimos por tantos e, no fim, só queremos o que todo mundo quer: ser o que somos, sem medo de ser além.
Gabie Fernandes (@fernandesgabie) é autora do livro 23 Motivos para Não Se Apaixonar e do podcast Só Ouço Falar. Tem certeza de que a resposta para tudo, inclusive a felicidade, é o amor.
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Publicado em VEJA São Paulo de 22 de setembro de 2021, edição nº 2756