Tem coisas que só São Paulo pode nos entregar. Generosa, ela me mandou um presente em outubro de 2018, justo no ápice de uma crise existencial — sabe quando o chão desmorona onde antes parecia firme? Então. Foi quando a Vejinha, também no meio de um turbilhão de mudanças, decidiu estrear a coluna A Tal Felicidade.
Nosso primeiro autor convidado, João Paulo Pacífico, sugeriu o nome da seção em homenagem ao professor Tal BenShahar. Seu curso sobre felicidade em Harvard havia feito história pela procura recorde, e suas dicas práticas incluíam aceitar as emoções dolorosas, ter um tempo de qualidade com as pessoas e praticar exercícios físicos.
Vocês, queridos leitores, amaram — e coube à direção da revista encontrar quem topasse semanalmente entrevistar, selecionar artigos inéditos e editar cuidadosamente as ideias de grandes nomes do nosso tempo. Eu disse “sim” para a missão e depois de quase seis anos (ou 280 colunas, mais especificamente) começo a compreender a dimensão do que construímos. Sempre na última página da revista impressa e no site, abrimos espaço para o que a ciência, a arte, a espiritualidade e outros saberes já desvendaram sobre essa vontade tão compartilhada de sair do sofrimento e experimentar estados internos mais elevados.
Do alto de uma montanha sagrada, o Monte Kailash, nos Himalaias, o mestre em meditação Satyanatha nos trouxe uma palavra bem pouco usada no português: iteração. Não é interação, aquilo que tem influência mútua, mas iteração, que significa repetidamente trilhar a mesma estrada. Sat virou amigo e me mostrou que a transformação interna é inevitável, mesmo que a rotina pareça déjà-vu. Basta estarmos com a consciência aberta. Essa abertura pode se dar de diversas formas.
Se o médico húngaro-canadense Gabor Maté, maior especialista em trauma no mundo, compartilhou a impermanência do nosso contentamento e a necessidade de buscarmos a paz no presente, o filósofo australiano Roman Krznaric colocou na roda a urgência de pensarmos não só no hoje, mas a longo prazo. Será que estamos sendo bons ancestrais para as próximas gerações? Lúcia Helena Galvão deixou de legado uma das frases que mais me marcaram: “Não há nada melhor para oferecer à humanidade do que esperança na humanidade. A esperança é um empréstimo que pedimos para a felicidade”.
Passamos juntos pela pandemia, momento em que ampliamos o foco nas questões relacionadas à saúde. Alain de Botton, filósofo, escritor e fundador da The School of Life, registrou: “Antes, estávamos mantendo uma fachada. Amo a nova vulnerabilidade, ter conversas com pessoas que se permitem ser simplesmente humanas”. Menos good vibes do que esperávamos? “A vida é mais estranha do que nos permitimos admitir que ela seja”, ele continuou.
Aqui fugimos das fórmulas prontas e evitamos a autoajuda sem qualidade, mas não nos fechamos para as amplas possibilidades que existem. Falamos sobre a nossa relação com a natureza, fé, psicodélicos, sincronicidades… Não consigo imaginar tanta liberdade em outro lugar que não fosse São Paulo. Ou melhor, a VEJA SÃO PAULO. É com profunda gratidão que compartilho agora que esta página ganha novos ares a partir da próxima semana! Foi uma honra acompanhar tantas reflexões e será uma alegria acompanhar tudo o que está por vir — o mistério é proposital, assim não perdemos de vista o encanto com a vida.
A felicidade, eu entendi, começa com uma decisão. Feita de novo e de novo, renovada a cada encontro, mais brilhante quando considerada a nossa natureza coletiva. Seguimos juntos, talvez seja esse o verdadeiro significado de ser feliz para sempre.
Helena Galante (@helenagalante) é criadora do podcast Jornada da calma e diretora de portfólio de CLAUDIA e BOA FORMA. Durante os últimos seis anos, foi também curadora desta coluna A Tal Felicidade.
Publicado em VEJA São Paulo de 22 de março de 2024, edição nº 2885