Ela encontrou na superação do câncer de mama um caminho de gratidão
Fundadora do Instituto Protea, Gabriella Antici ajuda outras pessoas que se encontram na mesma situação
Se tivesse a oportunidade de reescrever minha história, diria que o câncer de mama faz parte dela, não cortaria esse capítulo. As pessoas acham que é maluquice, mas não é não. Quando fui diagnosticada pela primeira vez, descobri que poderia desmistificar o peso de algumas consequências do tratamento, como a queda de cabelo. Não tive nenhum problema em ficar careca, lembro da água do chuveiro caindo direto na cabeça e de como achava isso gostoso.
Fiz quimioterapia e mastectomia dupla e disse que encararia tudo mais uma vez se preciso fosse. E foi. Dois anos depois, encontrei outro tumor na mama e passei pela quimioterapia e por uma nova cirurgia. Durante minha recuperação, uma amiga me ligou e contou que uma funcionária sua havia recebido o mesmo diagnóstico — mas só poderia começar o tratamento dali a três meses, num hospital público. Naquela hora me veio uma inspiração. Decidi fazer algo para ajudar outras mulheres a receber um tratamento digno. Com amigas fortes, fundei o Instituto Protea, que arrecada fundos para ampliar o acesso aos recursos médicos e diminuir o tempo de espera, multiplicando as chances de cura das pacientes.
Protea é uma flor linda, robusta, que nos lembra do nosso poder de transformação, por isso a escolhemos como símbolo. A alegria que encontrei nesse projeto reforçou em mim algumas posturas que só fazem bem. Lidei com cada etapa da recuperação como se participasse de um campeonato, que nunca achei que fosse perder. Sempre enxerguei o copo meio cheio, pois, com certeza, manter uma atitude positiva foi e é o principal. Eu, que sempre trabalhei no mercado financeiro, passei a olhar a vida de forma diferente, mais zen. Não gosto da palavra “problema” — prefiro “desafio”.
Descobri que todo mundo gosta de ajudar, e os hospitais têm um lado filantrópico forte: encontrei muitas portas abertas, e conseguimos no primeiro ano firmar uma parceria com o Hospital Santa Marcelina, localizado em Itaquera, e dar tratamento a duas mulheres a mais por mês, que de outra forma não seriam atendidas. O poder da disciplina me transformou. Mesmo sem apetite, por exemplo, eu comia como o médico me recomendava. Passei a meditar e me concentrar em olhar para a frente.
Acabei conhecendo muitas pessoas e, ao me pôr sempre à disposição para conversar com quem precisasse sobre o assunto, encontrei forças e desenvolvi uma rede para dar e receber apoio. Eu me permiti um único pensamento negativo, ao qual rapidamente dei um novo sentido. Estava nos Estados Unidos com um dos meus filhos, que tinha acabado de passar na faculdade, quando meu médico me ligou para dizer que o exame havia confirmado a suspeita de câncer. Pensei: “Puxa vida, não posso morrer, quero estar aqui para ver meu filho se formar daqui a quatro anos”. Hoje tenho a felicidade de poder estar na sua formatura.
Na vida, o desafio da saúde é um dos grandes, mas não é o único. Tenho a sorte de contar com o apoio de uma família estável. Juntos, somos mais fortes. Minha irmã Eleonora teve câncer de mama antes de mim — e eu cuidava para nunca chorar na frente dela. Na sua última consulta com o oncologista, ela agradeceu ao médico e disse que nunca havia se sentido tão feliz. Desabei em lágrimas. Onze anos depois, quando passei pela mesma situação, finalmente a compreendi. Hoje eu acordo feliz, me sinto saudável, me sinto eu mesma. E resolvi agradecer pela cura alcançada com um único objetivo: ajudar a salvar vidas.
Gabriella Antici é fundadora do Instituto Protea (@institutoprotea). Encontrou na superação do câncer de mama um caminho de gratidão e coragem para ajudar outras pessoas na mesma situação. Acredita que todas as mulheres têm direito a um diagnóstico precoce e a um tratamento digno para vencer a doença.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 27 de março de 2019, edição nº 2627.