Felicidade no trabalho é utopia ou algo possível?
Para a especialista em segurança psicológica Patricia Ansarah, a qualidade das relações impacta no nosso desempenho e em quão felizes somos
Trabalhei por 22 anos dentro das organizações. Assumi papéis diferentes em RH, fui de estagiária a executiva, liderei projetos dentro e fora do Brasil. Vi muita gente sendo feliz “na melhor empresa para se trabalhar” e muita gente sofrendo calada, adoecendo ou pedindo demissão dessas mesmas empresas.
Passei a acreditar que não existem melhores empresas para se trabalhar nem empresas ruins. Que o estado de felicidade se alcança com a jornada das relações que a gente vive e constrói por onde passamos e com quem trabalhamos.
Encontramos pessoas que nos estimulam, nos inspiram, desafiam, enriquecem, que acreditam em nosso potencial, e isso nos deixa mais motivados, confiantes e realizados. Assim como também encontramos pessoas que limitam o nosso aprendizado, reprimem o nosso jeito de ser, moldam o nosso comportamento para cabermos em caixinhas, não nos desafiam nem nos inspiram. Muitas vezes são essas que nos tornam reféns de uma dinâmica que, quando nos damos conta, vai virando o nosso jeito de ser, de pensar, de agir.
Até que algo acontece. Uma inquietação, um estalo de consciência de que as coisas podem ser diferentes. Que eu não caibo mais naquele espaço do jeito que ele se apresenta.
Foi com esse estalo que percebi que o que eu queria era estar numa empresa que ajuda a curar uma dor do mundo. Então a conta é simples: ou as empresas estão curando alguma dor no mundo ou estão causando. Não existe meio-termo.
Valorizamos por décadas apenas o capital intelectual e financeiro dentro das organizações, e isso nos trouxe ao pódio dos países com maior índice de ansiedade, depressão e burnout do mundo.
Quando criei o Instituto Internacional em Segurança Psicológica, três anos atrás, me chamavam de maluca. Esse tema “é moda”, diziam.
Não é moda. A segurança psicológica é o único caminho para garantir a sustentabilidade dos negócios, por meio de relações saudáveis. É a única dinâmica para times trabalharem juntos e ainda gerarem resultado, sem sangrar nem derrubar pessoas pelo caminho.
E a felicidade no trabalho só se alcança por meio das dinâmicas sociais. Como seres biopsicossociais, temos a necessidade de pertencer e se sentir seguro dentro de um grupo. Isso significa que a qualidade das relações impacta no nosso desempenho e no nosso estado de felicidade.
Mas, então, se isso é uma necessidade universal, o que nos impede de fazer isso? O medo.
O medo de ser julgado, retaliado, excluído, de passar vergonha, de não ser mais considerado, de não ser mais ouvido.
Com medo, eu vou escolher o silêncio. E, quando abrirmos os olhos, estamos todos silenciados, em sofrimento, enquanto a liderança toma as decisões no escuro, com apenas parte do potencial coletivo.
Qual o custo desse silêncio? Desengajamento, desconexão, insegurança, falta de colaboração, ambiente opressor, falta de criatividade e de aprendizado. Resultados que não se sustentam e pessoas em sofrimento.
É realmente melhor estarmos num local de trabalho no qual podemos ser nós mesmos e contribuir com todo o nosso potencial, de maneira significativa, não é mesmo? Mas isso só acontece em empresas corajosas.
É na coragem que mora a felicidade.
A curadoria dos autores convidados para esta seção é feita por Helena Galante. Para sugerir um tema ou autor, escreva para hgalante@abril.com.br.
Publicado em VEJA São Paulo de 23 de fevereiro de 2024, edição nº 2881