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A Tal Felicidade

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Saúde, bem estar e alegria para os paulistanos
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Aromas e sabores do nosso bem-estar cotidiano

A chef Ariela Doctors criou o Instituto Comida e Cultura, que busca reconectar a criança ao alimento por meio de um resgate lúdico

Por Ariela Doctors em depoimento a Helena Galante
30 jul 2021, 06h00
desenho de visão aérea de duas crianças fazendo um coração com sementes de uma melancia gigante, que está à frente delas. o fundo é azul
 (Malte Mueller/Getty Images)
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Considero que a alegria é algo externo a nós, efêmero. Já a felicidade me parece um estado de espírito. A gente tem de buscar lá no fundo, tentar entender para nos manter com ela o maior tempo possível. Decidi buscar na minha história os momentos de felicidade. Em todas as lembranças, o alimento estava lá, impreterivelmente.

Minha relação com o alimento e com a educação é antiga. Sou neta, por um lado, de franco-marroquinos, e, por outro, russo-ucranianos. Minha casa sempre esteve repleta de aromas e sabores incríveis porque todos sabiam cozinhar. Meus avós maternos cozinhavam juntos e chegaram a fazer disso seu sustento. Do outro lado, enquanto minha avó cozinhava, meu avô era um incansável curioso em busca de ingredientes frescos e originais. Não esqueço das cores, dos cheiros e dos sons que me atravessaram nas feiras e mercados aos quais ele, de vez em quando, me levava passear. Sinto que meu DNA ficou marcado por tais prazeres. Buscar bons ingredientes, transformá-los na cozinha e juntar as pessoas em torno da comida. Isso para mim é pura felicidade.

Minha trajetória até aqui confirma isso. Sou formada em comunicação e trabalhei por muitos anos na produção e direção de cinema e TV, na maior parte do tempo em projetos ligados a educação. Entre um projeto e outro, apesar de já saber cozinhar desde pequena, resolvi aprender a culinária ancestral de meus avós. Pedi a minha mãe e minha avó que me ensinassem os saberes da cozinha marroquina. E assim foi que passamos dois meses dentro do que eu chamo de “cozinha laboratório” do restaurante que abrimos em seguida em São Paulo. Encorajadas por aqueles que comeram nossas “experiências” naqueles meses, entramos nessa aventura magnífica que foi o restaurante Tanger por dezessete anos. Nesse período, eu me formei chef, casei e tive dois filhos, que aprenderam a andar e a falar dentro do restaurante.

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Após a amamentação, minha relação com o alimento começou a se transformar. Não era mais só a busca por sabores e técnicas, mas também uma preocupação com a saudabilidade dos alimentos. Comecei, desde então, uma pesquisa mais profunda sobre a alimentação e entendi a importância da procedência dos alimentos, a relevância das nossas escolhas alimentares. Descobri a relação do alimento com tudo o que nos cerca. Não só internamente, na nossa saúde corporal, mas também com o entorno, no meio onde vivemos.

Daí não parei mais de estudar e pesquisar sobre nossos sistemas alimentares. Desde alimentação ayurveda, antroposófica, plantas alimentícias não convencionais, métodos de plantio convencional e orgânico, agroflorestais, políticas públicas relacionadas a sistemas de alimentação e nutrição. Vislumbrei mil novos horizontes. Um entendimento profundo e endêmico sobre nossa vida como seres humanos no planeta Terra despontou em mim.

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Na minha memória, a felicidade tem a ver com integridade. Nos momentos em que me encontrava inteira, presente, de corpo e alma, havia felicidade. Períodos em que minha ação estava alinhada com meu falar e o meu pensar. Vi a necessidade de passar para a frente essas novas perspectivas que adquiri ao longo da minha jornada. Percebi que, se esse entendimento mais holístico sobre o alimento acontecesse desde a primeira infância, o mundo poderia ser diferente. Transformei todos esses pensamentos em ação e criei o Instituto Comida e Cultura, que busca reconectar a criança ao alimento por meio de um resgate lúdico da nossa história, cultura e biodiversidade.

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Nós nos alimentamos, quem pode, ao menos três vezes ao dia. Nesse simples ato de comer nos conectamos a um só tempo com nosso microcosmo interno (saúde) e com o macrocosmo dos sistemas alimentares (desde os milhares de pessoas envolvidas nos processos até os impactos ao meio ambiente). A transformação de que precisamos está nessa relação direta que todas e todos temos com o alimento, eu acredito.

ariela doctors está sorrindo para a foto e está utilizando um macacão cor vinho e um turbante laranja. atrás dela, desfocado, está uma lousa com coisas escritas
(Fernando Martinho/Divulgação)

Ariela Doctors está à frente do Instituto Comida e Cultura, que busca reconectar as crianças ao alimento abordando nossa história, cultura e biodiversidade. Ela acredita que o caminho da felicidade e da preservação da biodiversidade passa pela mesa compartilhada e pelo resgate de receitas tradicionais.

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Publicado em VEJA São Paulo de 04 de agosto de 2021, edição nº 2749

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