Ayurveda, yoga e as duas felicidades
Médico Manmohan Rajagopal fala sobre a importância da mente e do corpo para os diferentes tipos de felicidade
Helen sorriu ao ver seu reflexo na grande vitrine de vidro da loja de moda ao parar em um canto solitário da calçada para contar as gorjetas que recebia de um bistrô nos Jardins, em São Paulo, onde trabalhava como garçonete. Isso deve ajudar a administrar as despesas deste fim de semana, principalmente as relacionadas ao casamento da sobrinha no domingo. Ela sorriu para seu reflexo antes de correr alegremente para o terminal de ônibus.
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A casa ficava a algumas horas de distância. Ao cair pesadamente na cama, Bruce viu seu fisioterapeuta guardando o andador em um canto do grande quarto de luxo do hospital que tem sido sua casa nas últimas duas semanas, desde que sofreu um derrame logo após retornar de um trabalho de negócios. Viagem de Lisboa. Ele conseguiu sorrir ao ouvir seu fisioterapeuta anunciar alegremente: “Você está indo muito bem, Sr. Chapman. Você deu três passos hoje!”.
Pela viela sinuosa da favela, Antonio e seu círculo de jovens arruaceiros contavam o dinheiro das carteiras que roubaram naquele dia. Eles não tentaram esconder sua excitação enquanto jogavam as carteiras vazias em um canto e distribuíam alegremente os despojos entre si. Foi um dia produtivo, de fato.
A felicidade é relativa às expectativas que todos temos. É a manifestação de uma emoção medida em relação a um desejo que guardamos, escondido ou exposto. O aumento dos hormônios da felicidade num indigente a quem inesperadamente foi oferecida uma refeição num dia difícil pode coincidir com o do corretor de ações que ganhou 1 milhão nas bolsas no mesmo dia.
O sistema indiano de cura, relevante e testado pelo tempo, chamado Ayurveda, considera a felicidade como uma experiência da mente e do corpo alcançada pelo uso apropriado de suas diferentes faculdades sob a supervisão da alma. Aspectos funcionais da mente baseados no conhecimento percebido e herdado (Jnaana), como pensamentos, crenças, memórias, compreensão, sonhos e aceitação, são fatores que permitem a felicidade.
Na mesma linha, aspectos funcionais do corpo, baseados nas próprias ações (Karma), facilitando a qualidade e a quantidade ideais de comportamento (retidão, ganho de riqueza, obrigações para com os semelhantes e realização de desejos), higiene, exercício, metabolismo, energia, impulsos naturais como comer, dormir, fazer sexo etc., são fatores que levam à felicidade. A felicidade pode ser amplamente classificada em duas. Aquela tornada possível pela mente com o uso apropriado dos órgãos dos sentidos e as subsequentes respostas físicas.
Isso se identifica com o seu ego, o que é essencial para a coexistência no mundo material. A outra forma de felicidade, tornada possível pela mente sem o envolvimento consciente dos órgãos dos sentidos, é a identificação de si mesmo com todos e com tudo ao seu redor. A aquisição de conhecimento (ou consciência) adequado pela mente e a prática diária de rotinas essenciais pelo corpo são propícias para manter a saúde ideal da mente e do corpo em nossas vidas.
Essa é a essência da felicidade como percebemos na linguagem comum. Porém, isso não é eterno, pois o corpo degenera progressivamente e um dia deixa de existir levando consigo a mente. A felicidade eterna, que é abstrata, é obtida pela realização final de nossa identidade com a energia suprema onipresente nos universos conhecidos e desconhecidos. Isso é chamado de salvação ou Moksha. Durante os últimos 6 000 anos, os humanos inventaram e refinaram duas ferramentas importantes para ajudar a alcançar as duas formas de felicidade. Trata-se da antiga ciência indiana do Ayurveda e do yoga, cuja prática é um pré-requisito para uma coexistência feliz em nossa casa, o planeta Terra.
Publicado em VEJA São Paulo de 10 de novembro de 2023, edição nº 2867