A saúde como investimento: como está a sua conta-corrente?
O neurologista Fabiano Moulin de Moraes, antes do corpo reclamar, fica atento à qualidade de suas rotinas diárias para construir uma vida longeva e feliz
Vivemos uma época de epidemia de doenças. Obesidade, diabetes, depressão, ansiedade, infarto do miocárdio, Alzheimer, câncer, acidente vascular cerebral. Onde é que erramos? Não erramos, apenas não nos atualizamos. A vida hoje, tanto em qualidade como em quantidade, é um privilégio absurdamente novo. Até 1850, a expectativa de vida era de 30 anos, e em menos de 200 anos passou a ser praticamente o triplo. Os motivos são culturais: educação, saúde, saneamento básico, vacinas. A cultura hoje é uma força de adaptação mais importante até que a genética — e é aqui que precisamos nos atualizar. Precisamos reinventar o conceito de saúde para entender o adoecimento e encaixar a qualidade de vida na quantidade de vida já conquistada.
Ainda hoje, a saúde é entendida como ausência de doença ou silêncio do corpo. Se meu corpo não reclama, estou bem. Para compreendermos como esse conceito está inadequado, vou utilizar uma analogia econômica. Imagine que os sintomas do seu corpo ou as alterações dos exames de check-up sejam o alarme. Qual é o gatilho do alarme? Agora falando em dinheiro: imagine que você ganhe um salário de 5 000 reais, porém tenha uma despesa média de 10 000 reais. É claro que a conta não vai fechar! Mas você possui uma poupança de 100 000 reais e pede a seu contador que faça a retirada do que for necessário e só o avise quando a poupança acabar. No primeiro mês, ele tira 5 000, mas a poupança fica com 95 000 positivos. Em vinte meses, “de repente” para o desavisado ser humano, o contador liga informando que o dinheiro não existe mais. E você, de forma “súbita”, descobre que já não possui um pé-de-meia. Eis um processo crônico de destruição de patrimônio que aconteceu por colocar o gatilho do alarme no lugar inadequado, impedindo uma atitude antes da perda completa.
Pois é assim que seu corpo lida com o adoecimento. Ele grita quando a poupança acaba (o que chamamos de reserva funcional), e, infelizmente, isso costuma ser tarde para uma grande quantidade de doenças, quando se pensa em cura ou reversão. Para garantirmos nosso futuro, deveremos mudar o parâmetro de disparo do alarme. Em vez de olharmos o fim da poupança, precisamos nos concentrar na conta-corrente, o que, em saúde, quer dizer nossa rotina. Assim como nas finanças, nossa conta corrente da saúde é que construirá ou destruirá nosso patrimônio, seja financeiro, biológico, psicológico ou social.
Se, geneticamente, temos o potencial de alcançar os 100 anos, para chegarmos lá com qualidade precisaremos de novas regras, e elas começam com a definição de saúde como algo positivo, e não a ausência de algo. Da mesma maneira que ser feliz não é só a ausência de tristeza, nem riqueza apenas a ausência de prejuízo. Saúde é potência, é proatividade, é reconhecer a fragilidade da existência e lutar pelo privilégio de viver bem. Para isso, precisaremos reformular nossos ambientes, cidades, profissões, rotinas alimentares, atividade física (a melhor previdência privada que existe), o cuidado com a atenção plena e o equilíbrio emocional. Só assim poderemos tomar conhecimento do que constitui nossa conta-corrente e, dessa forma, mantê-la permanentemente positiva. Assim, vamos criando socialmente, através de uma nova educação, um novo alarme diário contínuo que nos mantenha saudáveis. Saúde não pode ser apenas o check-up anual.
Saúde significa assumir o compromisso de encararmos e de nos responsabilizarmos por uma construção e manutenção diária de hábitos. Reflita bem: como anda sua conta-corrente? A saúde é nosso bem mais precioso, pois é condição para todos os outros. Vamos agir de acordo.
Fabiano Moulin de Moraes é médico neurologista e professor da Unifesp e da Casa do Saber. Ele colocou o gatilho do alarme de sua saúde no lugar ideal. Bem antes de esperar o corpo reclamar, fica atento à qualidade de suas rotinas diárias para construir, de forma proativa, uma vida longeva e feliz.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 24 de julho de 2019, edição nº 2644.