
Visitar um olival é como assistir ao amor amadurecendo em silêncio. As oliveiras que produzem os melhores azeites vivem em climas frios, onde o crescimento é controlado e o fruto vem depois de muito tempo. Elas precisam, de certo modo, sofrer para dar o melhor de si. O frio, a espera, o cuidado e tudo isso faz parte do processo.
A oliveira não gosta de solo úmido demais, nem de terreno fácil. Aqui em São Paulo, o solo precisa ser corrigido, acidificado, até que encontre o ponto certo pra criar raízes profundas. E quando floresce, pode viver séculos. Há oliveiras com mais de dois mil anos ainda frutificando. É uma árvore que conhece a paciência, o silêncio e a persistência.
Enquanto eu andava pela fazenda, entendendo todo o processo de extração do azeite Sabiá, entre os ramos retorcidos, a trilha sonora brasileira, o ar campestre e bucólico, o cheiro verde do azeite fresco misturado ao aroma de alecrim, bolo recém-saído do forno e comida gostosa, pensei no que Renato Nogueira chama de “amor como exercício de liberdade”.
O amor que amadurece, assim como o azeite, exige trabalho. E eu não falo só das relações afetivo-sexuais, mas das relações de todas as naturezas: entre pais e filhos, entre amigos, entre quem escolhe permanecer. É importante lembrar disso pra não cair nessa baboseira de “amizades de baixa manutenção” isso não existe!. O amor leva tempo, o amor dá trabalho. Mesmo as amizades mais antigas precisam marcar, de vez em quando, um encontro de qualidade.
A oliveira não se dá em terreno raso, nem nasce de um dia pro outro. É uma prática diária de afinar o solo da convivência, de aprender a dosar a luz e o frio, o calor e a ausência.
Minha mãe dizia que, pra amar de verdade, é preciso ter se ferrado um pouco antes. Hoje entendo que talvez ela estivesse falando disso: da importância de sermos forjados pelas nossas invernias. O sofrimento não é requisito do amor, mas a maturidade que vem com ele nos ensina o valor do que é raro.
A cada dez quilos de azeitona, nasce um litro de azeite. A cada dez tentativas, nasce talvez um encontro inteiro. E, como o azeite, o amor também precisa ser guardado com cuidado, protegido da luz excessiva, do olhar curioso que pode queimar seu sabor.
O amor, como a oliveira, é hermafrodita: reúne o feminino e o masculino mesmo em relações homoafetivas, o dar e o receber, o fazer e o sentir. É um gesto ancestral que atravessa gerações, se permite transformar, crescer, frutificar, permanecer e, às vezes, ser transplantado para outro lugar. (A oliveira de 300 anos da Fazenda Sabiá veio de Montevidéu e está muito bem, obrigada.)
Talvez o segredo esteja mesmo em aceitar o tempo das coisas, o tempo de crescer, de frutificar e, por fim, de oferecer.
Sem pressa. Mas com profundidade, e não necessariamente nessa ordem.
