À espera da “grande abóbora” cervejeira
Desde os tempos da colonização dos Estados Unidos, a abóbora faz parte da vida dos habitantes locais. Primeiro como fonte barata e abundante de alimento – em especial em tempos de escassez. Depois, como ingrediente da cerveja, substituindo o então caro e pouco disponível malte de cevada, como indica este site sobre a história das […]
Desde os tempos da colonização dos Estados Unidos, a abóbora faz parte da vida dos habitantes locais. Primeiro como fonte barata e abundante de alimento – em especial em tempos de escassez. Depois, como ingrediente da cerveja, substituindo o então caro e pouco disponível malte de cevada, como indica este site sobre a história das Pumpkin Ales e os registros de sua produção no Século 18 (em inglês) (https://thebrewist.com/history-of-pumpkin-beer/). Após cair em desuso, o estilo foi ressuscitado em 1985, quando a cervejaria californiana Buffalo Bill criou sua Pumpkin Ale. De lá para cá, outros pequenos produtores abraçaram a ideia, e hoje é consideravelmente fácil encontrar Pumpkin Ales em todo território dos Estados Unidos.
No geral, as Pumpkin Ales têm cor que vai do castanho claro ao muito escuro – entre as degustadas para este post, há dois casos em que a cor chega ao preto. Uma característica comum é a presença de notas de condimentos como cravo, canela e noz moscada, também usados em tortas de abóbora. Em alguns bares, é preciso ter cuidado e avisar o garçom se você não deseja que a borda de seu copo venha “besuntada” de açúcar e canela, ou será automaticamente “premiado”. Isso tem a ver com outra característica do estilo: a a doçura, em diferentes graus, mas no geral bem perceptível.
A meu ver, está aí a chave para uma boa receita do estilo: ter um bom equilíbrio entre doce e amargo/seco, pendendo um pouco mais para o segundo. E, justamente por esse motivo, ainda estou à espera da grande cerveja de abóbora (numa versão fermentada do conto de Charles Schultz, criador do Charlie Brown e sua turma). Provei exemplares interessantes, mas ainda acho que não achei o melhor deles.
No Brasil, é possível encontrar atualmente a Post Road Pumpkin Ale, produzida pela Brooklyn, de Nova York; a Sauber Pumpkin, produzida pela cervejaria paulista Sauber; e a Mestre das Poções Poção de Bruxa, também de São Paulo. A mineira Wäls já chegou a produzir uma Imperial IPA com abóboras no ano passado.
Sem muita experiência com o estilo, escalei um time de Pumpkin Ales disponível na região de Boston, Massachusetts, para uma avaliação. Veja o resultado da degustação que fiz por aqui:
Samuel Adams Fat Jack – É uma versão mais potente de Pumpkin Ale, com 8,5% – a cervejaria de Massachusetts também produz uma receita menos alcoólica do estilo. A Fat Jack foi a cerveja mais interessante da degustação por um motivo: tinha o maior equilíbrio entre doçura, amargor, álcool e condimentos, tornando mais fácil – ou menos difícil – a tarefa de terminar a garrafa. Boas e moderadas notas de lúpulo cítrico (abacaxi, laranja), cravo, canela e noz moscada no aroma, corpo denso mas balanceado pelo amargor e por uma nota de malte tostado, razoavelmente seca no final do gole. Poderia apenas controlar um pouco mais o álcool no aroma, que se torna demasiado quando a cerveja esquenta.
Uinta Punk’n – A receita de 5% da cervejaria de Utah também se destaca por ser mais seca e ter uma percepção de amargor maior do que as demais. Noz moscada, cravo, canela e uma sutil nota de abóbora aparecem em destaque, junto com corpo leve. Quando a cerveja esquenta, porém, percebe-se um aroma que destoa do conjunto – não consegui distinguir se era um defeito de produção ou algum condimento em potência exagerada. Não chega, porém, a estragar a avaliação geral da cerveja.
Uinta Oak Jacked Imperial Pumpkin – Da mesma cervejaria, esta receita é bem mais potente (10,3% de teor alcoólico) e passa por maturação em barris de carvalho. A nota de baunilha oriunda do período em contato com a madeira é evidente – poderia até dar um pouco mais de espaço para os outros elementos do aroma e sabor; apenas o cravo consegue se impor em igual força. Após algum tempo, é possível perceber notas de frutas escuras e abóbora. Densa e licorosa.
Dogfish Head Punkin Ale – Criada pela cervejaria de Sam Calagione, em Delaware, é uma receita de 7% bastante equilibrada, com os condimentos aparecendo de forma mais sutil do que as outras avaliadas – ainda assim, cravo, noz moscada e canela estão lá. O residual adocicado também é contido.
Southern Tier Warlock — A mais escura do grupo, junto com a Harpoon. Trata-se de uma Imperial Stout de 8,6% com abóboras, produzida pela cervejaria Southern Tier, do estado de Nova York. Nota de baunilha é forte, mas mede forças com malte tostado, uma sutil percepção de torrado e um quê de condimentos (cravo, principalmente).
Cambridge Brewing Company Pumpkin Ale – O brewpub de Massachusetts também produz cervejas de modo terceirizado para venda fora de suas dependências. A receita de 5,7% consegue resolver bem a doçura excessiva que acomete muitos exemplares de Pumpkin Ale. Mas a canela acaba se destacando um pouco demais sobre os outros ingredientes, como cravo, noz moscada e, em especial, sobre a abóbora.
Two Roads Roadsmary Baby – A cervejaria de Connecticut também resolveu maturar sua Pumpkin Ale de 6,8% em barris – no caso, de rum. O processo confere uma nota de picância no sabor, que também contribui para atenuar a percepção de adocicado. Notam-se, ainda, canela, noz moscada e, de modo bem sutil, abóbora.
Weyerbacher Imperial Pumpkin – Com 8% de teor alcoólico, a receita produzida na Pensilvânia tem boas notas de cravo, canela, noz moscada (esta última aparece quando a cerveja esquenta), corpo denso e álcool potente, no limite do equilíbrio.
Ithaca Country Pumpkin – Cerveja produzida no estado de Nova York, tem 6,3%. Abóbora, canela e cravo estão lá, mas adocicado bem poderia ser um pouco mais contido. Nota frutada (pêssego?) também aparece no aroma e sabor.
Southern Tier Pumking – Sim, a receita da fábrica de Nova York é muito bem avaliada no Ratebeer (https://www.ratebeer.com/beer/southern-tier-pumking/77640/). Mas, no copo deste que escreve, pareceu inevitavelmente um “samba de uma nota só”: baunilha, muita baunilha. Ela esconde os outros elementos, como cravo e abóbora, e torna a cerveja bastante cansativa. O álcool (ela tem 8,6%) também fica no limite do desequilíbrio.
Harpoon Imperial Pumpkin – A cerveja da fábrica localizada em Massachusetts ficou abaixo da expectativa na amostra degustada. Ela tinha forte aroma de ovo – o que, de forma intensa e duradoura, pode ser considerado um problema. Com 10,5%, também tinha doçura exagerada, o que tornava difícil acabar o copo.