Galeria Raquel Arnaud celebra 50 anos na vanguarda da arte contemporânea
Em homenagem ao aniversário, espaço na Vila Madalena abre exposição com obras de Waltercio Caldas, Mira Schendel e Iole de Freitas
Uma trajetória ímpar na arte brasileira. Essa é a definição do curador Jacopo Crivelli Visconti — que já representou o país na Bienal de Veneza — sobre a marchand Raquel Arnaud, de 88 anos. A galeria de arte que ela fundou, em 1973, tornou-se pioneira ao apoiar uma nova geração de artistas, como Amilcar de Castro, Mira Schendel, Waltercio Caldas e Iole de Freitas — hoje nomes fundamentais da arte contemporânea no Brasil. A história é retratada na mostra Galeria Raquel Arnaud – 50 anos, que abriu na quinta (22).
Com curadoria de Jacopo, a exposição contempla a extensa linha do tempo da galeria e aborda acontecimentos marcantes da arte contemporânea nos anos 1970. “É uma história gigantesca, e resumi-la foi complexo”, diz o curador.
Uma seleção de quarenta obras de artistas que passaram pela galeria será exibida em esquema de rodízio até o fim da mostra, em 24 de maio. “A Raquel sempre foi muito dedicada a colocar os artistas no centro de tudo”, conta Jacopo. “Ela ajudou a construir um mercado, ao viabilizar experimentos de vanguarda muitas vezes arriscados”, diz. No início, a galeria seguia vertentes da arte concreta, mas sempre aberta ao diálogo, com nomes como Lygia Pape, Tunga e Vik Muniz.
Atenta às tendências mundiais, Raquel foi uma das primeiras a abrir as portas para a arte cinética, recebendo artistas como o pintor venezuelano Carlos Cruz-Diez. A galerista nasceu em Guaratinguetá, no interior, e mudou-se para São Paulo aos 10 anos. No ensino médio, virou frequentadora do então recém-inaugurado Masp, onde fez um curso de história da arte.
Amiga da família Segall, casou-se com Oscar, filho de Lasar. Estudou ciências sociais na Escola Livre de Sociologia e Política, mas tinha paixão mesmo pela arte. Após a morte do artista lituano, ajudou a organizar os trabalhos dele e viajou pela Europa para acompanhar exposições. De volta ao Brasil, foi convidada por Pietro Maria Bardi para trabalhar no Masp. Por intermédio dele, também conheceu o cineasta Hector Babenco, seu segundo marido, com quem teve uma filha, Myra.
Depois do Masp, fez estágio na casa de leilões Collectio, onde conheceu a marchand Mônica Filgueiras (1944-2011). As duas se associaram para fundar o Gabinete de Artes Gráficas, em 1973, que viraria a Galeria Raquel Arnaud. Simultaneamente, atuava como diretoraexecutiva da Arte Global, uma galeria da Rede Globo que tinha mostras anunciadas em horário nobre. Fundou, ainda, o Instituto de Arte Contemporânea (IAC), em 1997, para documentar o movimento.
A galeria mudou de endereço várias vezes, embora sempre fiel à arte geométrica, abstrata, minimalista e conceitual. Teve sedes assinadas pelos arquitetos Lina Bo Bardi, Ruy Ohtake e Felippe Crescenti.
“A arte se misturava à família. Era mais que relação profissional, era a extensão da nossa casa”, diz Myra Arnaud Babenco, hoje à frente da galeria, instalada na Rua Fidalga, na Vila Madalena. “Olho para trás e vejo a coragem (de Raquel) de acreditar em artistas que não tinham reconhecimento”, ela afirma. “Seguiremos com identidade própria e carinho pela arte”, conclui.
Publicado em VEJA São Paulo de 23 de fevereiro de 2024, edição nº 2881