Minha memória é traiçoeira. Muitas vezes, se encontro alguém, sei que conheço. Não me lembro de onde. Menos ainda do nome. A pessoa se aproxima com familiaridade. Penso: “Devo conhecer, e bem”. Vem a conversa. Planto deixas para ver se a pessoa me dá uma dica para localizá-la em algum arquivo da memória.
— E a vida amorosa, como vai?
Evito a palavra casamento, por não saber se a figura é solteira, casada ou disponível. Salta a resposta:
— Estou na mesma.
Oh, céus! Tanto pode significar que permanece com a mesma esposa ou que cumpre um antigo voto de castidade! Inevitavelmente, um amigo entra no meio da conversa.
— Opa, você está aí.
Por educação, eu deveria apresentar os dois. Impossível. Lembro só o nome de quem chegou! Disfarço:
— Estávamos aqui falando…
Piora quando o recém-chegado é um insensível e diz:
— Não vai me apresentar?
Quase grito: “Socorro!”. Tento dar uma cartada para descobrir o nome do primeiro. Digo:
— Para que tanta formalidade! Melhor se apresentarem sozinhos!
Ouço um nome comum. Continuo no vácuo. Fujo para pegar uma bebida. No meio do caminho, lembro:
— Mas é meu primo! Volto correndo. Peço desculpas:
— Não tenho cérebro. Mas um mata-borrão no lugar.
— Achei que estava estranho. Tudo bem, é muito ocupado.
— Ocupado, não. Sou doido!
Já cometi falhas incríveis. Certa vez pensei, ao olhar para uma mulher alta: “Acho que conheço”. A dita-cuja se aproximou:
— Não está me reconhecendo? Ou me confundiu com um coqueiro?
Era a Cláudia Raia. E eu:
— Ah, desculpe, meus óculos estão muito ruins.
Mentira. Foi um branco. Para piorar, dali a alguns meses, em outra festa, vi a mesma moça alta… e não reconheci a Cláudia Raia de novo! Por segurança, se alguém me faz sinal com a mão de longe, sempre retribuo. A pessoa faz carão. Dali a pouco descubro que era para alguém atrás de mim.
Também ocorre o contrário: penso que conheço, mas confundi com alguém. Dou um abraço, feliz:
— Sabe que eu estava com saudade?
Preocupado porque não se lembra de mim, o outro responde constrangido:
— Ah, eu também. Muita saudade. — Como vai sua mãe? Faz tempo que não a vejo. — Está boa, ainda mora no Paraná. Nunca sai de lá.
Gelo por dentro. Jamais visitei a mãe de alguém no Paraná. E de repente descubro que não conheço o abraçado.
— Foi bom te ver, mas eu… — Espera!
Depois de ter falado da mãe, o fulano acha que me conhece. Quer descobrir de onde. Puxa papo:
— E seu irmão? O consultório dentário vai bem?
— Meu irmão não é dentista.
— Ah, é, confundi. Mas então…
— Pois é, então…
Crio truques com os amigos:
— Se você me vir conversando com alguém, apresente-se primeiro e pergunte o nome da pessoa.
Na hora H, ninguém se lembra!
Às vezes digo simplesmente:
— Sinto muito, seu nome virou fumaça na minha cabeça.
Magoa. A resposta torna-se amarga:
— É… Agora não dá mais importância aos pobres!
Quase me ajoelho para pedir perdão! O esquecido se afasta ofendido. Também tento:
— Claro que não te reconheci, você está tão magra! Ficou linda!
Esse truque, confesso, sempre dá certo!
Tenho ido a eventos comerciais em que todo mundo usa crachá. Que alívio! O último foi a Bienal do Livro. Encontrei pessoas que não via fazia anos.
— Oi, lembra de mim? — alguém dizia.
Espetava os olhos no crachá. Abria os braços:
— Claro! Há quanto tempo!
Sei que é uma lei impossível. Mas todo mundo devia ser obrigado a usar crachá. Minha vida se tornaria muito mais fácil. E aposto que a de muita gente também.