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Vigília insana

Um pequeno grupo de moças chegou no finalzinho da tarde e parou na porta do grande hotel. Logo outro, e outro, e mais um. O jeitão geral delas, as roupas, os cabelos, os sapatos indicavam pessoas que não tinham recursos para se vestir melhor, aprender gestos mais delicados, cuidar melhor dos cabelos e da pele. […]

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h45 - Publicado em 18 set 2009, 20h18
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  • Um pequeno grupo de moças chegou no finalzinho da tarde e parou na porta do grande hotel. Logo outro, e outro, e mais um. O jeitão geral delas, as roupas, os cabelos, os sapatos indicavam pessoas que não tinham recursos para se vestir melhor, aprender gestos mais delicados, cuidar melhor dos cabelos e da pele. Talvez morassem longe, condução difícil.

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    O porteiro foi chamado ao saguão, recebeu instruções, voltou lá para fora e pediu ao grupo, que aumentava e se acrescentava de curiosos, o obséquio de não obstruir a entrada dos hóspedes.

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    – Ele já vai sair? – quis saber uma delas.

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    “Ele”. Os dois lados sabiam de quem se tratava. No hotel estavam hospedados alguns escritores conhecidos, convidados para uma feira de livros que se realizava na cidade; estava também um time de futebol de fora, que jogaria contra o campeão local naquela noite, quarta-feira. Não eram os escritores ou os artistas da bola que atraíam as meninas, algumas adolescentes. O porteiro assumia ares de importância. Respondeu à pergunta da garota como se encarnasse a própria administração do hotel:

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    – Não podemos informar.

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    – Diz a hora que ele vai sair, diz.

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    – Não sabemos. A assessoria dele é que pode dizer.

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    – Chama ela, chama, por favor! – veio o pedido, com uma dose de charme.

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    – Ela já está sabendo de vocês. Vai atender quando puder. Está falando com a imprensa.

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    O grupo crescia. Duas senhoras, de jeito humilde, se incorporaram e explicaram para quem não perguntou: tinham vindo só para “ver ele de perto um pouquinho”. Empregadas domésticas e comerciárias que deixavam o serviço foram parando por ali. Dois rapazes, de calças jeans justas e de cintura baixa, barriguinha depilada, brincos, olhos sombreados, pareciam tão ansiosos quanto as moças. Perto, um grande ônibus e um carro de reportagem indicavam o porquê da aglomeração. O ônibus, pintado como um anúncio móvel do show, trazia em grandes letras de fantasia o nome do cantor do momento e, em letras menores, o da banda que o acompanhava.

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    Lá pelas 8 horas da noite, alguém da assessoria de imprensa desceu com fotos autografadas para distribuir – o que provocou tumulto e empurra-empurra – e pediu que fossem para casa porque “ele” não ia descer, estava cansado, só a banda ia ao ginásio para ensaiar e passar o som. Decepção, descrença, “ooohhh”, “é grupo”, “eu não saio”.

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    A aglomeração atrapalhava a movimentação dos hóspedes. O grupo de escritores desceu, atravessou a massa indiferente de não-leitores e entrou na van que o levaria para a sua tribo de comedores dos biscoitos finos da literatura. Desceu o time de futebol e entrou no ônibus sem um “é campeão!”, sem um tímido “vamos ganhar!”. As fãs do cantor não podiam se distrair.

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    De repente elas se dividem em desespero e angústia, uma parte corre para dar a volta ao quarteirão: o boato era que “ele” sairia pela porta dos fundos. As que ficam sofrem sem saber se o estão perdendo, ameaçam ir, voltam. As que foram retornam desesperadas – o portão estava trancado! – procurando saber se “ele” saiu, e batem no peito aliviadas ao saber que não.

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    Horas depois, retornam os futebolistas, e os dois grupos se olham, com a derrota nas faces. A vigília insana se estende pela madrugada. A maioria desistiu, incluindo as senhoras, e restam umas vinte moças. A assessoria, penalizada, distribui uma segunda rodada de fotos autografadas, mas elas não se afastam. Os escritores regressam, cansados de citações mútuas, e se impressionam com aquela fidelidade que nunca teriam. Ao entrar, uma escritora ouve:

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    – Se ele te chamasse para subir, você ia? Ia? Ficava com ele?

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    Não percebe a resposta. Sobe, deita-se, não dorme. O mistério: o que as leva a essa espera insana? Que pretendem? Um beijo? Uma foto com ele? Um troféu? Passar a mão nele? Uma noite com ele? Que aquele anjo da canção as arrebate e as leve para longe do seu destino?

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