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Escritor lança livro de poemas sobre o cotidiano de São Paulo

Alberto Martins lançou a coletânea de poemas 'Em Trânsito', formada, em sua maioria, por reflexões sobre o transitar em uma grande cidade

Por Jonas Lopes
Atualizado em 5 dez 2016, 18h31 - Publicado em 22 out 2010, 21h59
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  • Para o escritor e artista plástico Alberto Martins, ônibus ou trem não representam apenas meios de locomoção, mas também uma fonte fértil de inspiração. Isso fica claro na recém-lançada coletânea de poemas ‘Em Trânsito’ (Companhia das Letras, 112 páginas, R$ 33,00), formada, em sua maioria, por reflexões sobre o transitar em uma grande cidade — no caso, São Paulo. Os textos surgiram de observações realizadas no percurso de Martins entre sua casa, em uma rua pacata do Alto de Pinheiros, e o trabalho na Editora 34, cuja sede se localiza na Marginal Pinheiros, próximo à Ponte Cidade Jardim.

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    “Quando tiro o carro da garagem, vou até lá consumido em meus próprios pensamentos”, explica ele. “De trem, consigo captar as pequenas atitudes dos outros passageiros, as conversas, os gestos.” Os versos começaram a ser escritos em 2000, quando o autor era funcionário da Cosac Naify. Naquela época, a editora ainda funcionava no Edifício Esther, na Praça da República. “Conseguia observar as mesmas pessoas pegando ônibus nos mesmos horários e fazendo as mesmas brincadeiras com os mesmos motoristas”, diz. “Vejo relações entre o ato de ler um livro e o de transitar. A leitura é outra forma de transporte público, um percurso que vai do autor a todos os leitores daquela tiragem.”

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    Nascido em Santos, Alberto Martins mudou-se para a capital aos 17 anos, para estudar letras na USP. Estranhou o tamanho da cidade, mas tempos depois foi passar alguns meses em Nova York. Ao retornar, tudo parecia bem mais natural, em comparação com o gigantismo ainda mais expressivo da metrópole americana. Hoje, aos 52 anos, diz ter aprendido a gostar daqui. “Ao mesmo tempo em que convivemos com a megalópole tão cosmopolita, tropeçamos em resquícios de provincianismo, de uma vida de bairro”, afirma.

    Não por acaso, ‘Em Trânsito’ recorre constantemente a cenários paulistanos, a exemplo de estações de trem e metrô, da Marginal Pinheiros, de bairros como Pompeia e da Praça da República. A condição urbana também é abordada por narradores em situações reconhecíveis: comprando bala de um menino no semáforo, caminhando com o cachorro até a padaria ou, na madrugada, escutando “o ruído insone da marginal” e “os tanques da Sabesp bombeando água”. Para o também poeta Fabrício Corsaletti, os versos estabelecem “uma tentativa de convivência entre as pessoas, o modo encontrado para nos relacionarmos nas grandes cidades”.

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    Em 2009, Martins publicou ‘Uma Noite em Cinco Atos’ (Editora 34, 112 páginas, R$ 30,00). Na peça de teatro, São Paulo hospeda um encontro fictício entre os poetas Álvares de Azevedo (1831-1852), Mário de Andrade (1893-1945) e José Paulo Paes (1926-1998). Nos cenários percorridos por eles estão o Largo São Francisco e a Barra Funda — o encontro termina no limite entre os rios Tietê e Pinheiros. “Em qualquer cidade europeia esse local teria um monumento público”, afirma o autor. “Pouca gente sabe que há uma comporta entre os rios.”

    Além da dedicação à escrita, o santista mantém uma carreira sólida como artista plástico. Expôs em abril no Gabinete de Arte Raquel Arnaud e, no fim de 2007, mostrou trabalhos na Estação Pinacoteca. Suas gravuras, esculturas e relevos possuem uma inflexão construtivista e deixam escapar a influência do escultor mineiro Amilcar de Castro (1920-2002). Segundo Corsaletti, é possível traçar analogias entre as produções literárias e visuais de Alberto Martins. “Nos relevos, ele se aproveita bastante da corrosão do aço, em sintonia com a condição urbana. Nas xilogravuras, explora o contraste entre o preto e o branco. A cara de São Paulo.”

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    ALGUNS VERSOS

    Working day

    dar adeus

    a este dia azul

    se embrenhar

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    nas trevas do metrô

    morrer

    quem sabe

    num descarrilhar de trilhos

    no entrechoque dos vagões

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    lá fora as estações deslizam

    Consolação

    Paraíso

    Liberdade

    enquanto meu pensamento se perde

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    em catacumbas

    como Álvares na taverna

    no fim do trajeto

    uma brecha de céu:

    saio do túnel

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    para entrar no elevador

    Xadrez no centro

    indecisa

    entre a banca de jornais

    e o garoto que vende bilhetes de metrô

    a moça para um segundo

    no meio-fio

    depois

    levanta a cabeça

    e avança pela calçada de pedras

    pretas & brancas

    pisando o mosaico torto

    ela sabe

    que cada passo é um erro cada passo

    é um logro — mas quem não joga

    perde a vez e nunca mais

    volta pro jogo

    Estação Pinheiros

    no meio do rio

    a draga escava

    o fundo lodoso

    do canal

    da plataforma

    os passageiros observam

    — gratos à máquina

    que todo dia revolve sua carga

    diante de nossos olhos

    antes da partida

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