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Telemarketing movimenta 1,5 bilhão em São Paulo

Existem hoje 250 000 operadores de telemarketing na cidade. Eles travam 2 milhões de conversas por hora. Às vezes resolvem o seu problema e outras tantas tiram o sossego, com frases robóticas e recheadas de gerúndio

Por Camila Antunes e Maria Paola de Salvo
Atualizado em 6 dez 2016, 09h05 - Publicado em 18 set 2009, 20h31
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  • Bom dia, meu nome é Sabrina (o tom da voz transmite empolgação). Por motivo de segurança, nosso contato é gravado. Sou da central de relacionamento…

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    – Sei. É telemarketing.

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    – O motivo de meu contato é apresentar-lhe o novo…

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    – Desculpe-me, não estou interessado.

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    – Mas o senhor é um cliente especial. Foi escolhido para receber o benefício…

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    – Já disse: não estou interessado.

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    – De qualquer forma, a empresa agradece sua atenção. Desejo ao senhor um ótimo dia.

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    Pelos números que apresentaremos a seguir, é quase certo que você já tenha vivido várias vezes essa situação. Cerca de 50 000 operadores de telemarketing da cidade disparam diariamente 7 milhões de ligações aos paulistanos de todos os cantos. É um pequeno batalhão, armado com aquele microfone preso à cabeça, que passa parte do dia repetindo um script que aparece na tela do computador. São homens e principalmente mulheres (75%) que representam administradoras de cartões de crédito, bancos, redes de varejo, telefônicas e até entidades filantrópicas. Estão sempre prontos para oferecer um novo produto ou serviço, com um tremendo jogo de cintura e paciência de Jó para agüentar as reações de cidadãos exasperados do outro lado da linha. O universo dos call centers inclui também o chamado telemarketing receptivo (quando é você quem chama), que emprega outras 200 000 pessoas na cidade, especialmente nos serviços de atendimento ao cliente (SAC). São cerca de 18 milhões de conversas por dia, através das quais o consumidor pode consultar um saldo bancário, contratar uma apólice de seguros, tirar dúvidas sobre um remédio, comprar flores, cancelar um serviço, fazer uma reclamação e por aí vai.

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    A indústria do telemarketing cresce ao ritmo de 10% ao ano. Em 2007, movimentou no país 4,5 bilhões de reais – São Paulo é responsável por um terço desse mercado. Nas cinqüenta centrais da cidade, costumam atender moças (45% têm entre 18 e 24 anos) instruídas a conversar com voz “sorridente” e usar em abundância palavras como ótimo e maravilha. “Com um simples bom-dia é possível passar a mensagem: você ganhou na loteria!”, exagera o consultor Isaac Martins, que ministra dois cursos motivacionais por semana para essa turma. “Consigo transmitir felicidade mesmo quando estou com problemas pessoais”, diz a operadora Luciana de Souza, que já participou de vários treinamentos desse tipo. Aos 24 anos, há quase dois vendendo seguros de vida de um banco, ela comemora cada bom resultado com os colegas minutos antes de um dos três intervalos de seu expediente, gritando coletivamente: “Equipe show, vendeu mais uma! Equipe show, vendeu mais uma!”. No começo do dia, os funcionários da TMKT, a sétima maior empresa de telemarketing do Brasil, com 6 500 operadores, entoam refrões inspirados na música-tema do filme Tropa de Elite.

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    – Tropa de elite, o que é que você faz? – grita o supervisor.

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    – Eu entro no contato para vender e nada mais – responde a galera.

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    Terminam a jornada ao som de Ivete Sangalo. Nesse ambiente momentaneamente descontraído, Luciana bate todo mês a meta de vender 270 seguros e abocanha um salário de 740 reais, o máximo pago pela empresa – o piso da categoria é de 530 reais. Nem todos alcançam o mesmo desempenho. Para realizarem três vendas por dia, os operadores ligam para 140 domicílios (ou escritórios). Conseguem falar com oitenta pessoas, das quais trinta escutam a proposta até o fim. “Um retorno de 2% a 10% das ligações é considerado positivo”, afirma o diretor comercial da TMKT, Miguel Windt. É comum no setor premiar os melhores vendedores com brindes como bombons, malas de viagem, bicicletas e TVs. São benefícios que fazem brilhar os olhos de quem recebe 3 reais de vale-refeição, que eles apelidaram de vale-coxinha. “Você tem de escolher: ou compra o refrigerante ou o sanduíche”, diz o operador Rogério Jofre, que trabalha em duas empresas e acostumou-se a levar marmita de casa para comer no intervalo entre os turnos.

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    A pressão para atingir metas, como vender dois planos de celular ou convencer três clientes a contratar empréstimos por dia, transforma os operadores em verdadeiros caçadores de gente disposta a comprar. “Muitas vezes são omitidas informações sobre o produto para vender a todo custo”, admite o atendente Michel Carneiro, da Contax, que teve uma gastrite nervosa na época em que era vendedor de cartões de crédito. Estressado com a pressão, Carneiro desistiu do telemarketing ativo e hoje trabalha no setor de atendimento ao cliente de uma empresa de TV a cabo. “Uso o dinheiro para pagar o cursinho”, diz ele, que pretende fazer administração. O trabalho de meio período (seis horas), sem contar as pausas, que somam quarenta minutos, é um chamariz para jovens e donas-de-casa decididos a mudar de vida. Sem diploma universitário, Joice Pinho, de 22 anos, por exemplo, subiu ao posto de supervisora após cinco anos de experiência. “O setor de telesserviços é a maior porta de entrada para o mercado de trabalho”, acredita Jarbas Nogueira, presidente da Associação Brasileira de Telesserviços (ABT). “Metade das pessoas que contratamos não tinha carteira assinada anteriormente”, conta Roberto Ribeiro, diretor de marketing da Almaviva, multinacional italiana que há dois meses inaugurou um call center em São Paulo.

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    Reza a lenda que o telemarketing foi criado por um confeiteiro alemão em 1880, apenas quatro anos após Graham Bell patentear o telefone. Ele teria descoberto que poderia usar o aparelho para oferecer suas iguarias. Montou um cadastro de clientes e, pimba, passou a fazer ligações. Mas será que naquela época ele dizia frases como “Sie werden das kaufen können…”, ou seja, “Você pode estar comprando…” Huumm, difícil avaliar. O gerúndio imperou nos textos dos operadores até tornar-se uma marca registrada. Atualmente, nos treinamentos, combate-se o uso de expressões como “Vou estar lhe passando os detalhes…” e outras do gênero. “Cada vez que o aluno solta uma frase assim é corrigido”, diz o coordenador pedagógico do curso de operador de telemarketing da Microlins, Wanderley Cintra. “O gerundismo é um dos maiores problemas do setor.” Atendente da central de vendas do site Giuliana Flores, Suelen Ferrari passou com louvor nas lições de simpatia. Mas ainda escorrega em frases como “Vou estar colocando um vinho na cesta”.

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    Para poupar os ouvidos desse tipo de vício de linguagem e outros blablablás, há paulistanos que fazem de tudo para fugir dos operadores de telemarketing (veja quadro ). Dona de três linhas telefônicas, a dentista Solange Furtado calcula que recebe de quatro a cinco ligações por dia. Ela decidiu parar de atender os chamados: quem faz o serviço é uma secretária eletrônica. A técnica em meteorologia Patrícia Vieira tem outra artimanha para evitá-los: gosta de inventar desculpas esdrúxulas em terceira pessoa. “Dona Patrícia está em missão humanitária no Tibete e não tem data para voltar”, costuma dizer. “É tiro e queda”, garante.

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    Calejados de tanto ouvir “não”, os operadores de telemarketing não se intimidam diante de agressivos e engraçadinhos. Muitos recebem cantadas e chegam a se divertir com as respostas do outro lado da linha. Um comando é imprescindível nessas horas: o botão “mudo” do aparelho, que impede que a pessoa do outro lado ouça uma gargalhada ou um comentário maldoso. “Uma mulher simulou um chiado no telefone, disse que estava no meio de uma tempestade e simplesmente desligou”, lembra a operadora Luciana Souza. “O jeito é rir.” Outros mandam beijos. E há quem aproveite a chance para paquerar as atendentes. Quando recebem convites para sair, a ordem é ignorar.

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    Como qualquer setor que cresce em ritmo frenético em poucos anos – essa indústria quintuplicou de tamanho na última década no Brasil. –, o universo do telemarketing engloba empresas sérias e outras de fundo de quintal. Em 2005, a Associação Brasileira de Telesserviços, a Associação Brasileira das Relações Empresa-Cliente e a Associação Brasileira de Marketing Direto criaram uma espécie de cartilha da boa prestação de serviço, o chamado Programa Brasileiro de Auto-Regulamentação (Probare). Ao aderirem ao Probare, os call centres se comprometem a seguir algumas regras básicas e ganham um selo. A primeira, de etiqueta, refere-se aos horários em que as ligações podem ser feitas: das 9 às 21 horas. Outro avanço é respeitar a vontade do cliente. Se ele pede para não receber mais chamadas, seu nome deve ser excluído do cadastro.

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    Hoje, 31 empresas estão certificadas, dez delas de São Paulo. A Editora Abril, que edita Veja São Paulo e usa o telemarketing como um dos canais de venda de assinatura de suas revistas, utiliza exclusivamente os serviços dessas empresas. O governo tenta agora regulamentar os serviços de atendimento ao cliente (SACs). O Inmetro, instituição ligada ao Ministério do Desenvolvimento, testou como anda o serviço em oito segmentos industriais: eletroeletrônico, alimentício, bancário, telefonia móvel, telefonia fixa, TV por assinatura, operadoras de cartão de crédito e planos de saúde. De 72 SACs avaliados, 25 foram reprovados. “Não é um índice internacionalmente aceitável”, afirma Alexandre Diogo, presidente do Instituto Brasileiro de Relações com o Cliente e responsável por criar a metodologia de avaliação dos serviços. As maiores falhas encontradas foram lentidão no atendimento e necessidade de explicar o problema a mais de um operador. “A boa notícia é que percebemos que as empresas estão empenhadas em resolver os problemas antes mesmo da oficialização das normas.”

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    O funil

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    140

    é o número de ligações que cada vendedor faz por dia

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    80

    pessoas atendem ao telefone

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    30

    escutam as propostas até o fim

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    3

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    vendas se concretizam

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    Um batalhão do outro lado da linha

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    250 000

    operadores de telemarketing trabalham na cidade, um terço dos profissionais do país

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    50 000

    fazem ligações para vender

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    200 000

    atendem chamadas de clientes

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    45%

    dos atendentes têm entre 18 e 24 anos

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    75%

    dos postos de trabalho são ocupados por mulheres

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    50%

    dos contratados não tiveram outra experiência profissional

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    530 reais

    é o piso salarial para uma jornada de seis horas

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    2 a 6 minutos

    é o tempo que leva cada ligação

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    Fontes: Associação Brasileira de Telesserviços e Sindicato dos Trabalhadores de Telemarketing

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