SPTuris tentou implementar sistema de reconhecimento facial no Carnaval
Empresa seria contratada por R$ 3,1 milhões para monitorar blocos de rua; prefeitura já é alvo do TCM por projeto de monitoramento biométrico em massa
Com menos de um mês de antecedência, a São Paulo Turismo, empresa pública de eventos da cidade, tentou fazer um amplo esquema de monitoramento dos foliões que participariam dos blocos de Carnaval de rua da capital. Um edital publicado em 31 de janeiro visava contratar uma empresa para implementar um sistema de câmeras de reconhecimento facial para identificar, por onde passassem os blocos, suspeitos procurados pelos órgãos de segurança pública, pessoas desaparecidas ou procuradas pela Justiça. De última hora, a SPTuris desistiu da empreitada, que custaria mais de 3 milhões de reais. O motivo foi a falta de tempo para testes prévios.
Polêmico, o reconhecimento facial em massa já deixou a gestão Ricardo Nunes (MDB) em maus lençóis recentemente: em dezembro, um edital da prefeitura que previa o uso da tecnologia foi suspenso após uma avalanche de críticas de entidades ligadas à proteção de dados pessoais e de direitos humanos. Intitulado de Smart Sampa, o projeto previa a instalação de 20 mil câmeras de reconhecimento facial em toda a cidade, e espera aval do Tribunal de Contas do Município (TCM-SP) para ser retomado. O projeto também é alvo de investigação do Ministério Público.
+ Câmeras de reconhecimento facial se multiplicam em São Paulo
O edital foi lançado pela SPTuris em 31 de janeiro e o pregão foi realizado em 10 de fevereiro. A empresa Polseg Indústria e Comércio de Eletro Eletrônicos LTDA, cuja sede fica em Belo Horizonte, foi a vencedora. Ela apresentou a proposta de menor valor, no total de 3 180 000,00 reais, que contempla o fornecimento de todos os equipamentos, softwares, acessórios e toda a mão de obra necessária, incluindo instalação, configuração e disponibilização das imagens, dados e relatórios.
O preço máximo que o município esperava gastar com essa contratação era 3 400 000,00 reais, um valor que foi definido após a própria Gerência de Compras e Contratos da SPTuris enviar e-mails para diversas empresas de segurança perguntando quanto elas cobrariam para instalar o sistema de vigilância dos blocos carnavalescos.
A minuta do contrato com a Polseg foi disponibilizada no dia 13 de fevereiro, e teria validade até 28 de março. Mas ele nunca chegou a ser assinado. As câmeras deveriam ficar em funcionamento durante os festejos carnavalescos, incluindo os fins de semana de pré e pós Carnaval, em todas as regiões da cidade por onde passassem blocos de rua, e depois a empresa deveria encaminhar à gestão municipal os relatórios sobre os resultados obtidos.
Em nota, a São Paulo Turismo informou que “devido às peculiaridades do serviço a ser prestado, que exigiria testes prévios, por exemplo, houve por bem a Administração suspender a contratação, visto que a execução poderia não ser a contento”. A reportagem procurou a Polseg por telefone e por e-mail, mas não foi atendida nem respondida.
Vigilância no detalhe
Alguns dos requisitos exigidos pela gestão municipal foram que as câmeras conseguissem fazer o reconhecimento de qualquer tipo de tom de pele, com a pessoa de lado ou com parte do rosto coberto com máscara, além de detectar silhuetas; ter recursos que façam “círculo de contato com pessoas marcadas como potenciais infratores”; ter capacidade para fazer um acompanhamento de uma pessoa que passe em frente a mais de uma câmera; e conseguir agrupar eventos por similaridade.
O sistema teria a capacidade de operar com uma base de dados, que incluiria informações de órgãos da Justiça e de segurança pública, de no mínimo 10 milhões de pessoas de interesse por dia. A própria SPTuris iria disponibilizar seu Centro de Controle Operacional para que a empresa privada fizesse lá o processamento dos dados, com monitoramento e cruzamento de dados em tempo real.
Uma primeira versão do edital, protocolada em 23 de janeiro no processo interno da SPTuris, foi alvo de diversos questionamentos do setor jurídico, por isso houve alterações posteriores. A reportagem identificou, nas comunicações entre as duas áreas, que a Coordenadoria Jurídica Licitações e Contratos Administrativos aponta diversas vezes que como já houve questionamentos no TCM sobre o tema, alguns esclarecimentos seriam necessários. Por exemplo, por que a SPTuris queria contratar um serviço de uma empresa, em vez de ela mesmo comprar os equipamentos e operá-los, e como seria garantida a privacidade dos dados dos cidadãos se uma empresa privada teria acesso a eles.
O órgão responsável pela licitação respondeu que a locação dos materiais era “mais vantajosa” porque a empresa contratada ficaria responsável pela mão de obra e logística para carregar, descarregar e posicionar os equipamentos, e deixou claro que os dados só poderiam ser coletados e armazenados pelos órgão de segurança pública.
O jurídico ainda destacou que o edital deveria justificar a falta de consulta pública antes da implementação do projeto – o que foi feito no caso do SmartSampa – porque “a relevância do assunto está em evidência nos meios midiáticos”. A SPTuris se amparou em previsão legal para responder que a consulta pública é dispensável porque o valor estimado da contratação não atinge o valor de 12 milhões de reais.