Conheça os ‘spotters’, entusiastas de carro que passam os domingos fotografando modelos de luxo
Hobby paulistano traz jovens, crianças e adultos semanalmente para a região da Ponte Cidade Jardim

O ritual se repete todos os domingos. Paramentados com celulares, câmeras fotográficas e cadeiras de praia, crianças, jovens e idosos — homens, em sua maioria — se reúnem na Ponte Cidade Jardim e arredores para um hobby curioso. Com olhares atentos, movimentos ágeis e uma boa dose de paciência, o grupo passa horas admirando e fotografando carros de luxo que circulam na ponte e em locais como a Avenida Europa, via que concentra concessionárias de alto padrão. São os spotters (observadores, em inglês). Assim como na observação de pássaros, a atividade visa a identificar “espécimes” de seu objeto de desejo, neste caso, máquinas possantes e raras. Mesmo que isso demande longas esperas.
A passarela sobre o Rio Pinheiros começa a encher a partir do meio-dia, quando o movimento de carros é maior, mas os praticantes mais dedicados iniciam sua vigília às 8h para buscar os melhores pontos de observação. Alguns ficam de pé, outros aguardam em cadeiras dobráveis. A escolha do local é estratégica: além de ser uma região nobre, onde carros que chegam a valer dezenas de milhões de reais são comuns, a ponte permite um primeiro vislumbre do veículo antes que ele pegue o retorno e passe pela Marginal Pinheiros, logo abaixo, o que acontece com frequência. Assim, há tempo suficiente para arquitetar o clique perfeito, que pode render muitos likes no Instagram. O critério sob o qual vale o post varia de acordo com o gosto pessoal, explicam, mas existem consensos, como uma cor especial e rara, um modelo com unidades limitadas ou um exemplar com valor exorbitante.

O hábito de frequentar o local rendeu uma amizade entre Guilherme Zagato, 18, aluno de gestão comercial, e Matheus Martins, 17, estudante de administração. Os dois costumam ficar mais de doze horas nessa atividade, que praticam religiosamente há mais de dois anos. “Só saímos para almoçar, ir ao banheiro e comprar água”, conta Guilherme. Na entrevista, interrompida diversas vezes por exclamações do tipo “Olha, é um M5!”, “Que nada! M6” — em referência aos modelos de alta performance da BMW —, eles falam sobre os limites éticos da prática. “Não é sobre o motorista, é sobre o carro. Por isso, tampamos a placa e o rosto dos condutores nas postagens”, pontua Matheus, que, assim como seu amigo Guilherme, criou um perfil no Instagram só para compartilhar suas capturas. Às vezes, quando o bate-papo engata, pode acontecer de a dupla perder algum exemplar. Para evitar que isso aconteça, Matheus começou a usar o aplicativo Zello, que transforma o smartphone num walkie-talkie moderno, através do qual os spotters se comunicam para alertar sobre a aproximação de um modelo especial.
Os mais habilidosos chegam a prever o carro pelo som. É que os roncos fortes do escapamento dão certas pistas. Som mais agudo é sinal de motor do tipo V12 ou V10, enquanto os mais graves são característicos de um V8, por exemplo — os números referem-se à quantidade de cilindros, quanto maior, mais potente. “Tem uma Lamborghini que tem o mesmo som de motor do ônibus que pegamos para vir até aqui. Sempre corremos para fotografar, mas às vezes é só o ônibus mesmo”, diverte-se Matheus. Cada aparição gera comoção e identificações detalhadas do veículo, que, para o pedestre leigo, pode parecer linguagem cifrada. Em um relance, eles bradam siglas como 675 LT ou LP700, seguidas de marca, modelo, nome completo da cor da lataria, preço e até a quantidade de unidades disponíveis no Brasil — e no mundo.

O hobby não atrai somente jovens e pode até ser um programa familiar. “A paixão por carros passou pelo DNA”, brinca Sérgio Luís, pai de Matheus, de 12 anos. Apesar do amor compartilhado pelo mundo automobilístico, o gosto dos dois é bem distinto e reflete a diferença geracional: o menino é doido pelos carros modernos de luxo, enquanto o pai é fã de exemplares antigos. A dupla passa o dia à espreita de modelos especiais e, quando dão sorte de algum motorista encostar para abastecer no posto ali perto, pode calhar de o dono permitir que o garoto explore o interior do veículo, como aconteceu no último dia 18. “Não temos poder aquisitivo para ter um carro desses, então, é uma diversão para ele. Olhar não arranca pedaço”, afirma o pai. Curiosos hábitos urbanos.

Publicado em VEJA São Paulo de 30 de maio de 2025, edição nº2946.