Sem lucro desde o início da pandemia e com dívidas, casas de música e teatros lutam para não fechar
O mais recente encerramento foi do UnimedHall
A notícia pegou o setor de surpresa. No dia 31 de março, o empresário Fernando Alterio, controlador da T4F, grupo que administrava o UnimedHall (antigo Credicard Hall e Citibank Hall), fechou a casa de shows após 23 anos no mesmo prédio em formato de disco voador, na Marginal Pinheiros. O contrato de patrocínio (ou namming rights) com a marca de saúde não bastou para compensar os prejuízos que o espaço fechado trazia à T4F — a empresa tem outros negócios enrolados, como o festival Lollapalooza, adiado para 2022 e cheio de contratos internacionais feitos quando o dólar valia perto de 3,5 reais. “Jamais imaginei algo assim em meus quarenta anos de entretenimento”, publicou Alterio após o fechamento.
Sem nenhum período de lucratividade desde o início da pandemia — nem as inovações como lives ou drive-ins, nem os shows com 40% ou 60% de ocupação nas fases menos restritas da quarentena deram dinheiro —, os palcos musicais e teatros da capital se encontram endividados e sob risco de repetir a sina do UnimedHall. Isso entre os que sobreviveram até aqui, uma sorte que não tiveram espaços como o Centro Cultural Rio Verde e a Casa de Francisca, ou teatros como o Itália e o Frei Caneca.
“A cada dia que seguimos ‘abertos’, estamos queimando dinheiro”, diz Marco Antônio Tobal Júnior, dono do Espaço das Américas e Villa Country “Demitimos quase todos os funcionários (dos 320, restam 48 no grupo), mas seguimos pagando aluguéis, manutenções e impostos”, ele afirma. “Estou negociando empréstimos e vou lutar até o fim para não fechar.”
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Nas casas menores, os prejuízos são igualmente vultosos. “Não fosse por um acordo de marketing com a Ambev, mantido na pandemia, o Cine Joia (espaço de shows no centro) já estaria fechado”, afirma o empresário Facundo Guerra. Por vezes chamado de “Midas da noite paulistana”, ele demitiu toda a equipe de seus negócios, entre eles o Blue Note, outra arena musical — eram cinquenta funcionários nos dois locais. “Nós, porém, não pudemos fazer a exposição de marca paga pela Ambev, então terei de entregar isso ‘de graça’ nos meses após a reabertura. Todo o setor fez antecipação de receitas. Vamos trabalhar sem lucros por anos”, ele diz. “Precisei me endividar e atrasar impostos.”
Para os empresários do setor, os espasmos de reabertura no segundo semestre só serviram para queimar o caixa que as casas ainda tinham, o que explicaria a sequência de falências neste início de ano. “Chegamos a fazer shows com 40% de público com artistas como Maria Rita, Jorge Vercillo e Ira!, mas o formato não fecha as contas”, diz Christian Tedesco, vice-presidente e filho do fundador do Tom Brasil, Gladston Tedesco. Aos 25 anos, a casa divide com o Espaço das Américas o posto de última sobrevivente de um clã de palcos de porte maior que já teve endereços como Palace, Olímpia e Via Funchal. “Queimamos todo o nosso caixa e pegamos empréstimos em bancos”, ele afirma. (O Tom Brasil é um raríssimo caso de grupo de entretenimento que não demitiu.)
No setor, é consenso que as lives virtuais de artistas promovidas pelas casas de shows e teatros atingiram a saturação — sem jamais terem sido lucrativas. “Fizemos 156 eventos on-line no ano passado. Pagamos os cachês, mas não tivemos faturamento em nenhum deles”, diz Suyanne Keidel, diretora executiva da Casa Natura Musical, que tem como sócios a cantora Vanessa da Mata e os empresários Edgard Radesca (do também combalido Bourbon Street) e Paulinho Rosa (do Canto da Ema). “Eles queimaram o caixa e estão endividados”, afirma a executiva. “Decidimos parar com as lives caseiras. Vamos tentar formatos de maior qualidade”, ela diz. (Executivos do segmento afirmam que a Natura paga perto de 1,5 milhão por ano em namming rights.)
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Experiências semelhantes feitas por teatros mostram como o formato virtual tem equação financeira problemática. “Entre nossas peças on-line, o maior sucesso foi Pós-F (de Maria Ribeiro, com texto de Fernanda Young). Na última noite, chegou a ter 1 200 pagantes”, diz André Acioli, gerente-geral do Teatro Porto Seguro. “Nenhuma dessas peças, porém, deu lucro. As contas só fecharam graças ao apoio da Porto Seguro (dona do espaço, que fica junto à sede corporativa da empresa, nos Campos Elíseos). Temos o privilégio de contar com esses recursos. Mas, assim como os outros teatros, estamos todos no mesmo Titanic”, ele avalia.
Nesse incerto barco, os teatros que pertencem a marcas (como o Porto) estão mais longe da linha-d’água. Abaixo vêm aqueles que possuem acordos de namming rights, como o Bradesco e o Santander (que adiou duas vezes a reestreia do musical Donna Summer no início do ano, e agora desistiu de prever datas). Perto do afogamento, ficam os independentes. “Gastei 400 000 reais para reformar o espaço, que estava vazio, logo antes da pandemia”, diz Darson Ribeiro, do Teatro-D, no Itaim. “Desde maio, não pago o boleto de 40 000 por mês de aluguel e IPTU. O Pão de Açúcar (dono do imóvel) colocou meu nome no Serasa”, ele conta. “Se a negociação com a empresa não avançar, só me resta fechar e falir”, completa.
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Publicado em VEJA São Paulo de 14 de abril de 2021, edição nº 2733