
Não faz muito tempo, colava-se no corpo um recado, um modo de dizer “Ei, sou eu, eu existo, é isso que eu penso”, e esse recado vinha na forma de buttons (botões, em inglês), que eram uns alfinetes com dizeres que as pessoas fincavam na lapela, na blusa, na camiseta, na jaqueta, no vestidão, para marcar uma posição. Traziam as bandeiras da época: “É proibido proibir”, “Poder gay”, “Black power”, “Poder jovem”, “Nunca diga nunca”, “Turn on, tune in, drop out” (senha para arregimentar jovens para o movimento hippie, cujo significado é “Se ligue, se afine, se mande”) ou simplesmente “Dropout = cai fora”. Passo numa banca de jornal de hoje, dessas onde quase não se vendem mais jornais, e vejo que os buttons estão de volta como enfeites infantis, sem protestos, retratando personagens do mundo massificado das princesas, moranguinhos e alô gatinhas. De uns tempos para cá, outra forma de dar recado são as roupas caras, com a grife exposta, significando “Ei, sou da ala das poderosas”. Na turma dos mais modernos, narcisistas e rebeldes, os corpos que transmitem recados já não recorrem a adereços, usam a própria pele.
+ Paulistanos que tatuaram o amor pela cidade
Nessa linguagem, os pelos estão em baixa. As moças tosquiam mais do que axilas, buço, virilha e pernas — quê!, lâminas e ceras e cremes depilatórios avançam para além das fronteiras conhecidas, sinal de que o invisível considera a hipótese de imprevista visibilidade. Sobrancelhas, que antesperdiam só os fios rebeldes ou desalinhados, agora são redesenhadas, e a intervenção busca passar dicas de personalidade: mais atrevida, mais doce, mais romântica, mais mandona. Raspar e redesenhar sobrancelhas eram privilégio das estrelas dos primeiros cinquenta anos do cinema, ousadia que nem as moças dos cabarés copiavam.
Homens jovens, e não apenas do segmento gay, desenvolvem nova atitude com relação aos pelos. Depilam os do corpo, até os íntimos, e deixam curtos os da barba. Nas academias é esta a moda: corpos lisos, oleosos, com um quê de feminilidade, e rostos másculos, barba curtíssima, quase uma sombra, do tipo dos atores turcos das novelas da Band, sobrancelhas feitas, axilas raspadas, canelas brilhando. Minha amiga Patrícia os chama de homens-azulejo.
A antiga linguagem dos pelos masculinos — bigodes, bigodões, cavanhaques, suíças, peras, barbas hirsutas, barbas desenhadas, pelos peitorais entre mostrados em camisas semiabertas, canelas e batatonas peludas — foi perdendo substância; em número cada vez maior de casos, os pelos são suprimidos para dar lugar a decoração mais rebelde, a tatuagem. As mulheres não têm de tirar muita coisa, já lisas no natural.
+ Um estúdio de tatuagem formado só por mulheres
Vejo a tatuagem em homens e mulheres como a pichação em uma parede: interferência gráfica numa superfície neutra, que tem sua beleza própria. Uma e outra, pichação e tatuagem, colocam-se na paisagem com obscura intenção de recado. Nem sempre sabemos ler a mensagem. Como acontece nas paredes, há corpos grafitados e corpos pichados, pintados ou rabiscados, decorados ou poluídos. A estética da coisa, raramente a percebemos. Em alguns casos e pessoas, fica bacaninha; em outros, parece um equívoco. Será uma conversa tribal, entre eles? Vai passar, como passou o bigodon?
Nesta época de recados instantâneos, de Twitter, WhatsApp, SMS, de espaços para discursos e opiniões individuais como os blogs, esses recados na própria pele parecem um exagero.