Desde que o Carnaval de rua se consolidou na capital, há cerca de cinco anos, quase nenhuma decisão sobre a movimentação de trios elétricos ocorre sem a participação de César Ricardo Martins, promotor de Habitação e Urbanismo do Ministério Público (MP). Neste ano, ele estabeleceu oito exigências que os megablocos, responsáveis por arrastar mais de 100 000 pessoas, devem respeitar. A cartilha inclui a contratação de empresas de segurança registradas na Polícia Federal e a divulgação de CNPJ e composição societária das organizadoras das festas. Essa determinação criou grande impacto na agenda da folia, pois alguns cordões não conseguiram se adaptar.
É o caso do Ma-quebloco, fundado em 2014 por ex-alunos do Mackenzie, que levou 500 000 pessoas à Avenida Brigadeiro Faria Lima em 2018. Os ajustes às novas regras dobrariam o orçamento inicial do bloco, de 60 000 reais. Entre os custos extras estariam 10 000 reais para contratar mais vinte seguranças, além dos sessenta programados. Com isso, o desfile foi cancelado. “Vamos nos adequar para voltar em 2020”, afirma Alex Barone, um dos fundadores.
Outra medida adotada por Martins neste ano foi o veto à passagem de blocos na Avenida 23 de Maio, local que recebeu milhões de pessoas em 2018. “No ano passado, o Carnaval deveria ter se limitado a um sentido da via, o que não ocorreu”, explica, para justificar a decisão. “Além disso, houve muita aglomeração sobre os viadutos.” Após sete reuniões com os responsáveis pelos cordões e associações de moradores, o promotor indicou as avenidas Tiradentes, no centro, e Marquês de São Vicente, na Barra Funda, para abrigar a festa em 2019. Ambas foram acatadas pela prefeitura e entraram no calendário oficial.
Mas um dos principais focos de Martins no Carnaval de 2019 é a Avenida Brigadeiro Faria Lima, onde limitou o número de blocos e proibiu a instalação de rodas-gigantes, como ocorreu no ano passado na região do Largo da Batata. Desfiles muito próximos uns dos outros também foram descartados. “Se não funcionar, a cidade terá de encontrar outro lugar para o Carnaval”, diz. Ele ainda recomendou que a Avenida Paulista não fosse aberta a pedestres no último domingo (24), ao contrário do que geralmente acontece nesse dia da semana. O objetivo foi compensar o fechamento de várias outras vias pela cidade no fim de semana de pré-Carnaval.
Um dos episódios mais marcantes da trajetória de Martins ocorreu após as confusões registradas na Vila Madalena durante o Carnaval de 2015. Nessa época, ele resolveu restringir a circulação de pessoas em alguns quarteirões, com a colocação de barreiras, e decretou o fim de grandes eventos no local. As medidas vigoram até hoje. “O que havia por ali era uma grande falta de coordenação entre várias esferas do poder público, como a Companhia de Engenharia de Tráfego e a Polícia Militar”, afirma. Um suposto excesso de interferência do promotor por causa dessas decisões tem encontrado resistência dentro da administração municipal. “Se ele quer determinar até o trajeto dos trios elétricos, deve sentar-se na cadeira do prefeito”, diz um membro do alto escalão do Edifício Matarazzo.
Formado em direito pela Universidade de São Paulo (USP) em 1990, César Martins tem 50 anos, é casado e pai de dois filhos. Entrou no MP em 1991 e chegou à Promotoria da Habitação e Urbanismo em 2015, após atuar nas áreas do meio ambiente e criminal. Em 2016 já havia provocado polêmica ao proibir eventos no Minhocão. Apesar da proximidade com os temas ligados ao Carnaval, ele se manterá bem afastado da folia neste feriadão. “Vou viajar e na volta vejo se deu tudo certo”, diz. Em abril, Martins tem reunião marcada com a prefeitura para realizar um balanço da festa. Depois disso, mais regras podem pintar por aí.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 06 de março de 2019, edição nº 2624.