Projeto tira famílias de cortiços para viver em imóvel reformado e compartilhado
Fundo imobiliário para população de baixa renda encabeça iniciativa que finalizou as obras da primeira casa neste mês
Na Rua Jaraguá, uma casa de 85 metros quadrados, com três cômodos e dois banheiros, é o futuro lar do casal de costureiros bolivianos Yaneth Blanca e Ovídio Callaú, e dos filhos, Diana e Juan. Eles não são os proprietários, vão seguir no aluguel — mas vão dar adeus ao mofo da antiga residência, também no Bom Retiro. “Onde moramos os quartos são bem pequenos e dividimos o banheiro com sete famílias”, diz Yaneth.
Eles foram escolhidos pelo Fica, fundo imobiliário voltado para famílias de baixa renda, para habitar o imóvel piloto do projeto Compartilha, que seleciona moradores de cortiços e oferece quartos em casas reformadas e de propriedade da entidade sem fins lucrativos.
O espaço na Rua Jaraguá foi adquirido por 280 000 reais e repaginado por 45 000, com obras que foram finalizadas neste mês. Além de Yaneth, o marido e os filhos, os outros dois cômodos serão alugados para outros parentes: o irmão e os pais da costureira. Todos devem se mudar em dezembro.
“É comum em muitos cortiços as famílias ocuparem quartos separados de um mesmo lugar”, explica o coordenador do Compartilha, Roberto Fontes, 43. O projeto foi possível após dez simpatizantes da iniciativa emprestarem o dinheiro para o Fica, com um retorno de 4% ao ano sobre o valor concedido, quantia paga com o rendimento obtido pelos aluguéis.
A família de Yaneth foi escolhida após o Fica se aproximar da Cooperativa Empreendedoras Sin Fronteras, que reúne 23 famílias bolivianas e paraguaias que trabalham no Bom Retiro. “Elas realizaram um processo autônomo de seleção e apresentaram para a gente os que mais se adequaram para a proposta”, explica o diretor do fundo Fica e professor da FAU-USP, Renato Cymbalista, 52.
Yaneth e Ovídio vão desembolsar 550 reais por mês pelo quarto de 15 metros quadrados, fora despesas como água e luz, que devem somar mais 145 reais. É o mesmo que eles pagam atualmente pelo quarto de 9 metros quadrados onde vivem, dividido também com as quatro máquinas de costura usadas para a produção de até 200 peças de roupas por semana. Será a primeira vez que terão um contrato de aluguel, com direitos e deveres entre inquilino e locatário.
Renato afirma que o modelo, sem retornos financeiros para o proprietário, é inédito no Brasil. “Mas é muito comum no exterior”, diz. Já foram garantidos 100 000 reais para a compra do próximo imóvel. “Queremos continuar adquirindo casas para acomodar mais famílias dessa cooperativa”, finaliza Renato.
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Publicado em VEJA São Paulo de 24 de novembro de 2021, edição nº 2765