Coletivo leva poesia a transportes públicos
Grupo Poetas Ambulantes se reúne uma vez por mês para recitar versos em ônibus, metrôs e trens
“Eu podia estar roubando, eu podia estar dormindo ao seu lado, babando no seu ombro ou ainda, ouvindo funk em alto e bom som, sem fones de ouvido. Mas não. Estou aqui recitando poesias para vocês”, diz Carolina Peixoto, formada em pedagogia, de 24 anos, em alto e bom som para abrir espaço na multidão. Ela faz parte do coletivo Poetas Ambulantes, que uma vez por mês circula pelos transportes públicos da cidade declamando trechos de poesias para os passageiros. VEJA SÃO PAULO acompanhou a última viagem da turma, no dia 7 de março. Composto por seis poetas fixos e seis agregados, o grupo é formado em sua maioria por jovens entre 20 e 26 anos, que matém suas profissões, como professor e farmacêutico. Para participar da ação, todos pediram dispensa do trabalho na tarde do passeio.
A Partida
Reunião marcada para as 14h30, no Parque Ecológico de São Paulo. As primeiras a chegar são Carol e Lu’z Ribeiro, de 25 anos, ambas poetisas e criadoras do coletivo. A ideia surgiu em outubro do ano passado com a vontade de fazer poesias e o ócio das meninas em um dia de folga no trabalho. “Eu via duas amigas nossas interpretando no ônibus. Pensei em transformar em poesia”, conta Carol. A primeira vez foi um desastre. Pediram carona e quando chamaram a atenção dos passageiros, não sabiam o que falar. Alguns ônibus depois, a dupla conseguiu. “A gente ainda precisa aprimorar muito. Mas já está bem melhor”, diz Lu’z, que é coordenadora de Núcleo de Medida Socioeducativa.
Conforme os outros integrantes chegavam (doze no total do dia), eram distribuídos papéis com o endereço do site do coletivo. No verso, eles escrevem a mão as estrofes que vão declamar. Carol lança as regras para o grupo: ela abre com o texto e, em seguida, os poetas falam na ordem. Frases curtas no começo e é proibido ter silêncio durante o trajeto. Se um esquecer, outro integrante cobre. É permitido ler as fichas, mas proibido aceitar qualquer tipo de contribuição financeira.
O caminho para eles pode variar. No entanto, o destino é o mesmo: algum sarau da cidade. Desta vez, o escolhido é Sobrenome Liberdade, no Grajaú. Para isso, seriam utilizados todos os transportes públicos, ônibus, metrô e trem.
Três ônibus, dezesseis estações de metrô e treze de trem
Faça chuva ou faça sol, o coletivo sai. E neste dia, a nuvem negra tomou conta da cidade. Na saída do parque, nenhum dos ônibus estava cheio. “O mais legal mesmo é quando a gente chega no metrô”, diz Jefferson Santana, professor de 3º colegial, poeta, e um dos fixos do grupo. Ainda assim, nenhum deles perde a oportunidade de falar seu verso.
As reações dos passageiros são das mais variadas. Alguns simplesmente viram o rosto e fingem não prestar atenção. Outros olham com estranheza. A maioria observa com curiosidade, se espanta ao se deparar com o inesperado e se diverte com frases que se relacionam com o dia-a-dia. “Se meus versos de amor não chegam até você”, declamam em uníssono o verso de Jonas Worcman, “é porque eles estão presos na Marginal Tietê”. No fim de cada frase, o autor do poema é revelado. Paulo Leminski é o favorito. Sérgio Vaz também aparece com frequência.
Antes de sair do ônibus e com os folhetos de poemas distribuídos, Carol lança o desafio. Quem recitar uma poesia, seja sua, seja a escrita ou alguma que venha na mente, ganha um livro. Estes foram doados de poetas e escritores parceiros. “Depois de ver todo mundo levantando, o pessoal se empolga e recita também”, conta Thiago Peixoto, agitador cultural e irmão mais velho de Carol. A dona de casa Madalena Aparecida não se arrisca, mas levanta do banco para ouvir melhor o que diziam os poetas. “É diferente e deixa o dia mais animado. Podia ser sempre assim, né?”, diz antes de descer na Avenida Domingos de Morais. Em um dos ônibus, o grupo se esforça em meio à multidão para ver a garota que, tímida, toma coragem para recitar o “Soneto da Fidelidade”, de Vinícius de Morais. Além do livro de presente, aplausos.
Na saída, Thiago entrega um verso ao cobrador que, mal humorado, se nega a aceitar. Nem tudo é poesia na vida de um poeta.
Estação da Luz
A entrada do metrô é praticamente uma festa na chegada à Estação da Luz. Na mesma linha, eles pulam de vagão em vagão para conseguir atingir o maior número de pessoas. Dividindo-se em trios ou em quartetos, cada um vai para um canto. E não desistem nem mesmo quando não conseguem movimentar os braços. Roseli Galuchi, uma das passageiras, olha curiosa e sorri ao ler a frase “Novo endereço: agora estou morando em mim. Achei mais perto”, de Fernando Vasques, e se diverte ao ver os jovens intercalando os versos. Ela, ao lado de Pedro Galuchi, que escreve enquanto o trem anda, faz performances de poesias em saraus pela cidade. “Levar poesia a quem não tem acesso é muito bonito. E as pessoas não sabem que gostam até conhecer”, diz. “Acredito que faria um bem enorme para os usuários do transporte se tivéssemos mais atitudes assim”, afirma.
Foi na baldeação da Luz com a Linha Amarela que a turma chamou a atenção. James Douglas, estudante, e sua namorada Thaís, ambos de 17, receberam um poema enquanto viam o coletivo recitar. “Era tudo o que eu precisava ouvir”, diz. James, que mora em Ferraz de Vasconcellos e voltava do centro onde procurava emprego. “Estava muito triste porque recebi alguns ‘nãos’. E de repente, eu ouço vejo o pessoal se movimentando assim, deu esperança.” Sem saber muito bem o que é um sarau, os dois topam acompanhar o grupo até o resto do percurso. “Isso é demais. Quero escrever assim um dia”, sonha.
O trajeto continuou – agora com mais dois integrantes – pelas linhas da CPTM. O sucesso foi maior. Logo na saída, com todos sentados, o grupo começa sua apresentação. Por estarem em um vagão menor, todos se intercalam juntos. Os passageiros sacam os celulares e começam a filmar. O coletivo não se importa. Maria Carla de Menezes, auxiliar de secretaria acadêmica, na Universidade de São Paulo já estava no trem quando a turma embarcou. “A gente volta cansada, depois de um dia inteiro de trabalho. Ouvir os versos relaxa”, diz, se divertindo com a interpretação dada pelos integrantes nos discursos. A estação Berrini chega e os poetas decidem descer. Os passageiros se despedem, mas como as portas do vagão demoram a fechar, os poetas recebem os aplausos de quem ficou do lado de dentro. “Volta, gente”, começam a gritar os espectadores. Mas não podiam, precisavam esperar o outro trem por conta de mais uma integrante que chegaria depois.
A Chegada
Cansados, a caminhada continuava. Os livros já tinham acabado. James e Thaís ainda acompanhavam. Ligavam para os pais explicando que estavam indo para o outro lado da cidade para ouvir poesia. “Eu te devolvo os 6 reais que usei do seu bilhete único”, a menina se desculpa com a mãe. No fim, letras de rap ganham mais espaço. Criolo é um deles.
Para se despedir do público, Carol puxa o grito de guerra. “Uma vez Poeta Ambulante e nada será como antes”. E aleatoriamente, um deles completa com a frase de Leminski. “Esta vida é uma viagem. Pena eu estar só de passagem” e saltam do vagão. Ao desembarcar na última estação, o grupo se reúne e ouve mais elogios. Um senhor para para cumprimentar. A fila para subir a escada é gigante. Mas a turma ainda tem tempo para descansar antes de partir para o sarau. O relógio bate seis horas da tarde.