“Eu trabalho para uma empresa americana de aviação executiva e, há dez anos, tenho amizade com os gringos rsrsrs.” Assim começa a mensagem curiosa recebida por e-mail de um leitor, que podemos chamar de Igor. “Todos são gente boa. Sempre que vêm ao Brasil, me enchem a paciência com a história de as pizzarias de São Paulo só abrirem as portas depois das 18 horas. Procurei no Google e em um monte de lugares, e ninguém sabe me dizer o porquê disso… Nós estamos acostumados. É assim por gerações. Mas, toda vez que chego aos Estados Unidos no voo da manhã, a primeira coisa que fazem, adivinhe, é me levar a um restaurante às 11 horas para provar que ali, a qualquer hora, você come pizza. Eu dou risada e entendo. Mas é difícil explicar aos estrangeiros a razão de agirmos de forma diferente por aqui. Se você puder ajudar, agradeço.
”Como se explica a diferença entre os horários das pizzarias nos Estados Unidos e em São Paulo? A dúvida é essa. Já pensei a respeito do assunto, por improvável que possa parecer. Quando me mudei para São Paulo, vindo da Califórnia, em meados da década de 80, vira e mexe ficava com vontade de comer pizza na hora de almoço. Mas o prato não era servido em nenhum lugar, ou quase. Tal como hoje, a grande maioria dos restaurantes do tipo só ligava os fornos a partir do fim da tarde. Refleti muito sobre possíveis explicações para essa “pequena diferença”, para usar a frase dita por John Travolta no filme Pulp Fiction a respeito da cultura europeia.
No cerne da questão, concluí, está a distinção tradicional, mantida no Brasil, entre comida, de um lado, e lanche, do outro. Pizza é lanche. Pode ser servida como jantar, e é. Mas nunca, ou quase nunca, como almoço, horário reservado à comida. Nessa acepção mais nobre, a comida deve ser degustada no prato, com talheres e, de preferência, arroz e feijão ou, no mínimo, uma carne ou peixe com salada. Em termos culturais, o papel da pizza se assemelha ao do hambúrguer, embora a popularidade deste seja mais recente. É lanche. Ou, no máximo, janta. Por melhor ou mais elaborado que seja, nunca será classificado no Brasil na categoria de comida.
Os restaurantes por quilo, em contrapartida, surgiram no país como uma resposta brasileira à rapidez com que os lanches são servidos. Mantiveram a praticidade destes, mas oferecem comida. É por isso que tiveram tanto sucesso e se espalharam pelo país. Permitem ao freguês brasileiro almoçar, ou seja, “comer comida”, como se diz, sem gastar muito tempo.
O difícil, no caso do Igor, vai ser explicar essa distinção a seus colegas gringos. O americano adora um lanche. Come a qualquer hora e em qualquer lugar, até mesmo no automóvel. Não faz distinção entre lanche, por um lado, cuja tradução na língua inglesa não é lunch, e sim snack, e comida, por outro, que nessa acepção talvez pudéssemos verter para o idioma de Shakespeare como meal (ou refeição). Mas mesmo essa solução linguística é parcial, uma vez que, para um americano, uma refeição pode ser montada com vários lanches ou um só, desde que muito grande.
Meu conselho ao leitor é levar seus colegas americanos ao melhor quilo que encontrar e mostrar a eles a delícia que é escolher entre toda aquela variedade. Se forem às 11 da manhã, então, estará tudo fresquinho.