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Mulher de herdeiro do Itaú abraça causas espinhosas para fazer filantropia

Empresária ativista, Patrícia Villela Marino trabalha com presidiárias, promove negócios com impacto social e quer debater a política de drogas

Por Ana Carolina Soares
Atualizado em 5 out 2018, 10h09 - Publicado em 5 out 2018, 06h00

Toda quinta-feira, às 7 horas da manhã, a empresária e advogada Patrícia Rieper Leandrini Villela Marino, acompanhada por quatro voluntárias, encara uma viagem de 145 quilômetros rumo à Penitenciária Feminina 2 de Tremembé. Lá, ela verifica o andamento do mais novo projeto do Humanitas360 (H360), instituto que criou em março de 2015, voltado ao combate à violência.

Trata-se de uma cooperativa de presas que produz artesanato de segunda a sexta, em uma jornada de trabalho de oito horas por dia. A organização fornece todo o material, além de oferecer aulas de arte, corte, costura, crochê, tricô e design. Ao contrário do que ocorre em outros presídios, a detenta recebe de acordo com sua capacidade de produção — a renda dos artigos comercializados é dividida entre as participantes. Além disso, elas têm a possibilidade de seguir no programa após ganhar a liberdade.

Aos 47 anos, casada há vinte com o presidente do Conselho de Administração do Itaú para a América Latina, Ricardo Villela Marino, Patrícia destoa de muitas de suas antecessoras no universo da filantropia. Em vez de focar seus esforços na educação ou no meio ambiente, ou mesmo em órfãos e mães solteiras, causas com simpatia imediata e zero aresta, ela abraçou dois mundos controversos, em uma sociedade que ainda engasga ao falar de direitos humanos: o sistema carcerário e sua maior fonte de recrutamento, a política de repressão às drogas. Ambos cercados por estigmas de altos decibéis. “As pessoas precisam entender que os detentos não ficarão enclausurados a vida inteira e que eles devem ser preparados para sair”, diz.

Com detentas de Tremembé: projeto para afastar mulheres do crime (Luíza Matravolgyi/Veja SP)

Quase três horas de viagem depois, a bordo de uma minivan apelidada de “Utopia”, Patrícia se encontra em Tremembé com as 34 detentas do programa, ainda embrionário, iniciado em março. No mês passado, cada uma recebeu 566 reais. “Virei empresária”, comemora Jaquiselli Antônia Mendes Banin, de 36 anos. Ex-moradora de um barracão em Avaré, no interior paulista, sem emprego e mãe de três filhos, ela arriscou uma fonte de renda no tráfico de drogas. Presa em 2009, foi condenada a 32 anos de cárcere.

“Se Deus quiser, minhas peças um dia estarão na São Paulo Fashion Week e meus pais verão que tenho jeito”, completa. O sonho de Jaqui não parece tão distante, uma vez que há conversas de membros do instituto com empresários da moda. A iniciativa foi inspirada em um projeto similar desenvolvido em Ananindeua, no Pará. “Ao se transformarem em empreendedoras, essas pessoas garantem uma atividade ao sair da prisão e têm a chance de quebrar o ciclo de miséria que favorece a criminalidade”, acredita Patrícia.

Até o fim do ano, deverá ser criada no semiaberto masculino uma cooperativa de presos para gerir uma horta orgânica. “Queremos dar suporte para implantar iniciativas semelhantes em outros presídios e para que cada uma delas caminhe com as próprias pernas”, completa.

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O projeto nas penitenciárias tem lançamento previsto para o próximo dia 16, com um leilão de pelo menos 200 peças confeccionadas pelas presas. Amigos de Patrícia e de seu marido, Ricardo, como o casal de apresentadores Luciano Huck e Angélica, além de Luciana Gimenez, acenaram com a possibilidade de oferecer lances. Uma colcha , por exemplo, custará a partir de 2 000 reais.

O Civi-co, em Pinheiros: um espaço para unir empresas a organizações (Divulgação/Veja SP)

O cenário do evento será o Civi-co, um pequeno prédio envidraçado na Rua Virgilio de Carvalho Pinto, em Pinheiros, que funciona como o quartel-general da empreitada. Também fundado pela ativista, em parceria com o executivo Ricardo Podval, o lugar é uma espécie de coworking para startups com fins lucrativos (mas com objetivo social) e organizações não governamentais. Inaugurado em novembro de 2017, abriga 56 empresas por lá, entre elas a Humanitas360. “O trabalho realizado pelas entidades nesse edifício impacta positivamente a vida de 5 milhões de pessoas”, calcula Podval, CEO do Civi-co.

Patrícia não abre números, mas estima-se que tenha desembolsado cerca de 50 milhões de reais em mais de dez projetos nos últimos quatro anos. Essa fonte tem um apelido — o “Fundo do Bem”— e é uma aplicação patrimonial que reúne verbas dela, do marido e do filho do casal, Daniel, de 6 anos. Por mês, a família investe cerca de 10% de seus rendimentos em ações sociais. “Nascemos em um cenário privilegiado e temos o dever de contribuir para melhorar a sociedade”, acredita Ricardo Villela Marino.

Entre os beneficiados, está o Instituto Gerando Falcões, que busca transformar a vida de moradores de bairros carentes por meio de esporte, cultura, qualificação profissional e criação de renda.

Antes de realizar seu trabalho com o sistema carcerário e no coworking social, a empreendedora já atuava com política e em discussões sobre substâncias ilícitas. Em 2011, fundou a Plataforma Latino-Americana de Política de Drogas, junto ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Também assinou textos em que defende a descriminalização da cannabis para uso medicinal, com um enfoque na saúde pública, acompanhada de programas de educação.

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No prêmio do Conselho das Américas, em 2016, ao lado do filho, Daniel: reconhecimento (Divulgação/Veja SP)

“A nossa lei de drogas teoricamente descriminaliza o consumo, mas na prática não estipula quantidades para tipificar o tráfico”, afirma a empresária. “Enquanto uma mulher dos Jardins é liberada ao ser flagrada com uma substância ilegal, uma da periferia com a mesma quantidade vai para a prisão, que não recupera ninguém e só cria ciclos de violência”, compara.

Nos últimos anos, Patrícia apoiou a vinda ao Brasil de autoridades responsáveis pela liberação do uso recreativo da maconha, do Estado americano do Colorado ao Uruguai, para compartilharem os efeitos da experiência. Ainda financiou o documentário Ilegal, sobre uma mãe que lutou pela legalização da cannabis medicinal para tratar a doença de sua filha de 5 anos, vítima de uma epilepsia rara.

Para falar de política, Patrícia lançou em março o Índice de Empoderamento Cívico das Américas, em parceria com a equipe de inteligência da revista inglesa The Economist. Entre seis países, o Brasil ficou em quarto lugar, à frente apenas de Guatemala e Venezuela. “Nossa população valoriza o voto, mas transfere toda a responsabilidade aos políticos, sem se envolver com ações de cidadania, como participar de melhorias do bairro ou mesmo de reuniões de condomínio”, diz Ricardo Anderáos, vice-presidente de operações da H360.

A instituição também lançou um software que analisa todos os documentos da Operação Lava- Jato. “Eu me arrependo amargamente de ter votado no Aécio Neves (PSDB) nas últimas eleições presidenciais”, afirma Patrícia. “Se ele tivesse sido eleito, as investigações não teriam prosseguido”, completa. A empresária não revela seu candidato deste domingo (7), mas observa o cenário com preocupação. “Como a maior parte da população não cobra nem dá importância ao escolher seus representantes no Legislativo, cá estamos de novo em uma eleição presidencial sem um candidato que nos represente”, conclui.

Nestes tempos marcados por slogans de ódio, Patrícia, é claro, também recebe seus petardos. “Volta e meia alguém me chama de ‘esquerdinha’ ou me aponta como usuária de drogas. Logo eu, que nunca experimentei nada, sou a mais careta”, conta, aos risos. Na verdade, no gramado político ela se posicionaria como meio-campista.

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Filha do ex-deputado estadual Floriano Leandrini, presidente do antigo Banespa entre 1987 e 1991, um dos criadores do então Movimento Democrático Brasileiro (MDB), ela se interessou pelo jogo governamental ainda na adolescência. Nessa época, fazia questão de ir ao Colégio Arquidiocesano, na Vila Mariana, com a Kombi da campanha de seu pai. “E ainda convocava meus colegas de classe para ajudar a panfletar”, lembra. Pensou em entrar para a política, mas percebeu que faria mais diferença como “cidadã politizada” e formou-se em direito no Mackenzie aos 23 anos.

Dinheiro nunca tirou o sono de sua família: seu avô paterno, Virgílio Leandrini, comprou uma série de lotes onde depois surgiria a cidade de São Caetano do Sul. Hoje seu pai administra dezenas de imóveis na região. “Nunca ostentamos; afinal, a miséria do outro me afeta”, prega a advogada Jane Rieper, mãe de Patrícia. Primeira de três filhos, a empreendedora nasceu na Pro Matre, na Bela Vista, em 28 de outubro de 1970, Dia de São Judas. Promessa de seus pais, comemorou todos os aniversários no orfanato daquela igreja até os 18 anos. “Era uma forma de mostrar quanto ela era privilegiada por ter um lar”, diz o pai.

Aniversários celebrados no orfanato da igreja (Arquivo Pessoal/Veja SP)

Em um cenário de muito suor, a área das esteiras da academia Companhia Athletica no Morumbi, em 1996 conheceu seu marido, um dos herdeiros do banco Itaú. “Fiquei tão encantado por ela que um dia fiz plantão na catraca, só para saber seu nome”, lembra Villela Marino. Patrícia esnobou o partidão durante nove meses. “Tive um preconceito às avessas: muito bonito, rico e ainda frequentador de musculação, só podia ser ‘galinha’ ”, diverte-se.

O pretendente logo a apresentou à família e, de cara, recebeu a bênção da sogra, a filantropa Milú Villela. “Sempre a admirei como nora, mãe e parceira nas causas sociais”, diz a presidente do Museu de Arte Moderna (MAM) e idealizadora do Itaú Cultural. Um ano e meio depois, os dois se casaram na Paróquia Nossa Senhora do Brasil, com um festão para 900 pessoas no buffet La Luna, no Butantã. Dispensaram a tradicional lista de presentes e arrecadaram 250 000 dólares em doações, distribuídos entre a Associação Cruz Verde (referência no tratamento de paralisia cerebral grave, com sede na Vila Clementino), o Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graacc) e o Instituto Rodrigo Mendes (que insere pessoas com deficiência em escolas).

Como várias mulheres, lutou para engravidar. Uma série de problemas impedia o feto de se fixar no útero e ela encarou quase dez anos de tratamentos de fertilização. Sofreu oito abortos espontâneos. “Pedia a Deus diariamente que, se não fosse meu propósito na vida, tirasse do meu coração o desejo de gerar um filho”, lembra a fiel frequentadora da Igreja Batista da Água Branca. Em 13 de fevereiro de 2012, nasceu Daniel, batizado em homenagem ao profeta.

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O casamento, em 1998 (Arquivo Pessoal/Veja SP)

Hoje, a família vive em um dúplex em um condomínio de luxo no Morumbi decorado com obras de artistas como Joan Miró e Marc Chagall. Mas você não verá essa vida abastada no Instagram. “Fujo do estilo periguete-peruete”, ri. Apenas suas empresas possuem contas em redes sociais. Para aflição dos avós, sempre que pode, Patrícia desliga o celular, pega seu menino e o leva para conhecer a vida real. “A gente precisa sair de nossos pedestais”, acredita. E conclui, sobre seu estilo de vida, com a seguinte questão: “A gente deu certo, mas quem e quantos se beneficiam desse sucesso?”.

ANTIOSTENTAÇÃO

Com a vida pessoal fora das redes sociais, ela adota um estilo alternativo-chique

Possui um closet minimalista. Faz das compras um investimento: só adquire peças duráveis (seu par de sapatos mais novo tem um ano), usa itens da época de solteira, repete looks e também veste roupas doadas pela sogra.

Recusa mimos suntuosos. No aniversário de 46 anos, mandou devolver uma bolsa Chanel exclusiva, presente do marido. Preferiu ter os 8 000 dólares na sua ONG.

Nada de Disney. Gosta de levar o filho a “lugares reais”, como favelas e presídios. Ele nunca foi à Disney.

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Sem visitas ao salão de beleza. Mantém os cabelos longos da adolescência, cuidados por um profissional que a visita em casa a cada seis meses.

MEMÓRIAS DA HUMANITÁRIA

Aniversários no orfanato. Patrícia nasceu em 28 de outubro, Dia de São Judas. Como promessa e para apresentá-la à realidade brasileira, seus pais decidiram festejar seus aniversários até os 18 anos no orfanato da igreja, ao lado de 300 crianças.

Paixão pelos animais. Seu pai teve sítios em Itu (SP) e Gurinhatã (MG). Lá, cuidava dos animais e aprendeu a montar. Ganhou provas como a da Sociedade Hípica Paulista, em 2011. O prêmio entregue por sua mãe, Jane.

Patrícia já ganhou provas como a da Sociedade Hípica Paulista, em 2011 (Arquivo Pessoal/Veja SP)

Casamento beneficente. Em 7 de maio de 1998, Patrícia se casou com Ricardo Villela Marino, um dos herdeiros do banco Itaú, em uma cerimônia na Paróquia Nossa Senhora do Brasil. Em vez de presentes, eles pediram doações e arrecadaram 250 000 dólares, destinados a três ONGs.

 

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