O excesso de veículos em São Paulo: um desafio urbano
Desde a saúde até o bolso da população, o problema atinge várias esferas da vida do paulistano
A invenção do automóvel representou um avanço inegável à sociedade. Mas, ao longo do século XX, a priorização do transporte individual provocou uma série de transtornos nas cidades. Em São Paulo, com 7 milhões de veículos registrados (estima-se que 3,8 milhões circulem pelas ruas todos os dias), esses problemas são ainda mais graves. De 1980 para cá, a população da capital cresceu 32%, chegando a 11 milhões de pessoas. No mesmo período, porém, o tamanho da frota mais que quadruplicou. Isso pode ser verificado facilmente nas avenidas: um motorista gasta cerca de 2h42 por dia no trânsito, segundo levantamento do Ibope encomendado pelo movimento Nossa São Paulo em 2010. A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) calcula que a média diária de congestionamentos no ano passado tenha sido de 99 quilômetros, enquanto a velocidade dos carros no horário de pico da tarde não ultrapassou os 18 quilômetros por hora. Além da lentidão no tráfego, o excesso de veículos também causa problemas em outras esferas, como na saúde e na economia.
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NA SAÚDE
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 2 milhões de pessoas morrem todo ano por doenças relacionadas à poluição. A principal causa é a inalação de micropartículas que penetram no pulmão e na corrente sanguínea. Cerca de 1,3 milhão dessas mortes ocorrem nas grandes cidades, e São Paulo é uma das piores no quesito: trata-se da quarta metrópole do mundo com a maior concentração de material tóxico no ar, atrás da Cidade do México, de Hong Kong e do Rio de Janeiro, de acordo com a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). Grande parte desses poluentes sai do escapamento dos veículos: em certos casos e dias, o índice chega a 97%. No total, aproximadamente 260.000 toneladas são lançadas na atmosfera por ano. “Os mais afetados pelos efeitos são as crianças, os idosos e as pessoas que já sofrem de doenças como asma ou bronquite”, afirma o médico Luiz Alberto Amador Pereira, do Laboratório de Poluição Atmosférica da Universidade de São Paulo (USP).
NA SEGURANÇA
Toneladas de aço que se deslocam em alta velocidade, os automóveis ocasionalmente se transformam em armas letais. Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, nada menos que 91,5% (694 casos) dos homicídios culposos (sem a intenção de matar) que ocorreram na capital em 2010 tiveram relação com acidentes de trânsito. Em 2011, só no primeiro semestre, já foram 378. De acordo com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), 1.357 pessoas perderam a vida em mais de 26.000 acidentes de trânsito no ano passado. Quase metade das vítimas era pedestre. Muitas vezes, os acidentes são potencializados pelo uso de bebidas. Neste ano, até outubro, 2.653 condutores foram flagrados dirigindo sob influência de álcool na cidade, o que representa 1,5% das 170.512 pessoas submetidas ao teste do bafômetro: 1.167 acabaram detidas.
NO BOLSO
O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Samy Dana chegou a números impressionantes ao calcular quanto uma pessoa gasta para manter seu automóvel. Considerando um carro de 35.000 reais, deslocamento diário de 15 quilômetros e fatores como impostos e estacionamento, o custo anual é de mais de 16.000 reais (veja abaixo). Além do desfalque no bolso do cidadão, os congestionamentos causam enorme prejuízo à cidade: seria da ordem de 33,5 bilhões de reais por ano, o equivalente a 9,4% do produto interno bruto (PIB), segundo pesquisa de 2008 da FGV. O cálculo é a soma dos 27 bilhões de reais que os trabalhadores presos no trânsito deixam de produzir, com 6,5 bilhões gastos em combustível, saúde pública e outros. Outro levantamento, do banco Citigroup, mostra que as grandes cidades do Brasil perdem 5% de sua capacidade produtiva em engarrafamentos.
As táticas para escapar do trânsito
O acúmulo de automóveis transtorna o cotidiano de milhões de paulistanos, que enfrentam dificuldade para cumprir simples trajetos pela cidade. Cada vez mais os cidadãos buscam alternativas e alteram sua rotina para fugir das consequências nefastas dos congestionamentos. Entre essas medidas, as mais comuns são comprar veículos menores para ganhar mais desenvoltura, mudar de endereço para ficar perto do trabalho, trocar o carro pela bicicleta para cortar caminhos ou compartilhar as viagens com outras pessoas em clubes de carona. Confira soluções para driblar o trânsito e personagens que adotaram algumas dessas práticas em seu dia a dia:
DO OPALÃO AO SMART
Há cerca de vinte anos, o professor Silvio Passarelli mudou-se do Paraíso para a Granja Viana, localizada a mais de 20 quilômetros de distância de seu trabalho, na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), em Higienópolis. Com o trânsito menos travado nesse trecho, o trajeto costumava ser percorrido em meia hora. “Às vezes, chegava ao luxo de ir almoçar em casa”, conta Passarelli, atual diretor da Faculdade de Artes Plásticas. Essa realidade não durou muito tempo. Os congestionamentos tornaram-se frequentes, e as idas e voltas ao trabalho passaram a consumir quatro horas diárias. “Há seis anos capitulei e adquiri um flat nos Jardins, para usar esporadicamente”, diz. Hoje, no entanto, o professor dorme até cinco vezes por semana em São Paulo. Antes proprietário de um Opala, ele foi diminuindo o tamanho de seus carros até chegar a um Smart. “A solução para o trânsito é a priorização do transporte público, mas todas as ações que contribuam devem ser usadas.”
A BOA E VELHA CARONA
Basta uma espiada rápida no trânsito de São Paulo para constatar que boa parte dos carros roda com apenas uma pessoa dentro — o índice chegaria a 64%, segundo a CET. Para reduzir esse desperdício de espaço e energia, uma série de serviços está surgindo na cidade para incentivar a carona. Já existem sites nos quais é possível encontrar gente interessada em ceder espaço no veículo, alternar os dias ao volante ou ajudar a pagar o combustível de quem tem um assento sobrando. Para participar, o usuário cadastra sua rota e horários e o sistema, automaticamente, indica outros que fazem trajetos parecidos. Alguns também oferecem a possibilidade de participar como passageiro mesmo sem ter carro. Veja:
https://www.caronabrasil.com.br
O CARRO PELA BIKE
O supervisor de marketing Murilo Rodrigues estima ter economizado 4.500 reais desde que deixou o carro na garagem, há um ano e meio, época em que optou por uma vida mais saudável. Parou de fumar, comprou uma bicicleta e começou devagar, com pedaladas matinais no parque. Algum tempo depois, num fim de semana, resolveu testar o trajeto até o trabalho. Não foi fácil. “Na época, eu morava na Paulista, então era um baita subidão na volta”, conta. Aos poucos, com a melhora do condicionamento, as idas e vindas passaram a figurar como os antigos passeios no parque. Com a diferença de que, nas ruas, existe um constante embate com os carros. “Um dos segredos de andar no trânsito é fazer com que os motoristas notem sua presença. Por isso, eu ocupo a faixa, ando sempre com luzes e sinalização e grito. Grito bastante, pareço um maluco.” Atualmente, Rodrigues pedala cerca de 200 quilômetros por semana, em trajetos que duram de dez a quinze minutos. Menos do que os vinte ou trinta minutos que gastava quando os realizava de automóvel.
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QUANTO CUSTA MANTER UM CARRO POR ANO…
Para um veículo com preço médio de 35.000 reais e que circula 15 quilômetros por dia
Despesas anuais
Seguro: (4% do valor do veículo) R$ 1.400
IPVA: (4% do valor do veículo) R$ 1.400
Depreciação: R$ 2.100
Licenciamento e seguro obrigatório: R$ 222,50
Despesas mensais
Estacionamento: R$ 400
Manutenção: R$ 71
Combustível (considerando consumo de 12 km/l e valor de R$ 2,80/l: R$ 105
Custo do dinheiro não investido: (0,76%): R$ 265,69
Custo anual: R$ 16 141,89
Cálculo considerando um veículo com preço médio de 35.000 reais e que circula 15 quilômetros por dia
Despesas anuais
Seguro: (4% do valor do veículo) R$ 1.400,00
IPVA: (4% do valor do veículo) R$ 1.400,00
Depreciação R$ 2.100,00
Licenciamento e seguro obrigatório R$ 222,50
Despesas mensais
Estacionamento R$ 400,00
Manutenção: R$ 71,00
Combustível (considerando consumo de 12 km/l e valor de R$ 2,80/l): R$ 105,00
Custo do dinheiro não investido (0,76%): R$ 265,69
Custo anual: R$ 16.141,89
…E QUANTO SAI ANDAR DE TAXI…
Corridas mensais: 60
Preço médio das corridas: R$ 22,85
Custo mensal: R$ 1 371,00
Custo anual: R$ 17 156,56
…OU DE ÔNIBUS
Preço por viagem: R$ 3,00
Custo mensal: R$ 180,00
Custo anual: R$ 2.252,50