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Na fila da dedicatória

Chego apressado à livraria. Meu colega de Academia de Letras Hernani Donato lança sua tradução de A Divina Comédia, de Dante Alighieri. Uma longa fila aguarda a vez de obter autógrafos. Compro meu exemplar. E me instalo no final. É preciso paciência: o autor, como de praxe, escreve uma dedicatória para cada um. Para meu […]

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 5 dez 2016, 19h46 - Publicado em 18 set 2009, 20h17
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  • Chego apressado à livraria. Meu colega de Academia de Letras Hernani Donato lança sua tradução de A Divina Comédia, de Dante Alighieri. Uma longa fila aguarda a vez de obter autógrafos. Compro meu exemplar. E me instalo no final. É preciso paciência: o autor, como de praxe, escreve uma dedicatória para cada um. Para meu espanto, dali a pouco uma senhora se aproxima pelo lado. Vai diretamente à mesa. Entrega o livro, como se furar a fila fosse seu direito. Observo: atrás de mim a escritora Ruth Rocha, apoiada em sua bengala, aguarda a vez. Ninguém reclama: em situações desse tipo as pessoas são corteses. Constrangem-se com a falta de educação alheia. Um rapaz, na minha frente, carrega quatro exemplares. Pede uma dedicatória em cada um. É outra maneira de furar a fila: quem espera é obrigado a aguardar mais ainda. E o que o escritor pode fazer, a não ser continuar cordial?

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    Eu já estive diversas vezes do outro lado da fila, lançando meus próprios livros. São situações complicadas. Se vejo alguém passando na frente de todo mundo, como reclamar? Quando vou a escolas e os alunos se acotovelam para conseguir o autógrafo, aí sim, sou rígido:

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    – Vou assinar para todos, mas têm de seguir a fila.

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    Se um fura, peço para voltar ao fim. Os professores costumam me elogiar por essa atitude. Diante de adultos seria antipático. Também é difícil quando alguém dispara um monólogo:

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    – Lembra quando a gente se encontrou há dois anos? Pois é, desde aquele dia eu…

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    Há quem fale sem vírgulas, sem pontos, sem pausa alguma. Impossível interromper. Eu me posiciono para o bote. Em algum momento a pessoa terá de respirar. No instante em que ela suga o ar, exclamo alegremente:

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    – Que ótimo! A gente precisa se ver mais e botar todo o papo em dia!

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    Dou um abraço e agarro o livro do próximo.

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    Ao comprar o livro em lançamento, é regra que o vendedor escreva o nome da pessoa em um papelzinho, para ajudar o autor. Isso mexe com o orgulho de muita gente!

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    – Eu não preciso botar nome nenhum, sou amigo dele! – afirmou certa vez um famoso ator.

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    Quando o fulano apareceu na minha frente, seu nome se apagou da minha mente num relâmpago. Que era famoso, eu sabia. Amigo meu, tinha certeza. Mas como se chamava? Depois de 200 dedicatórias, meus neurônios se recusavam a dizer de quem se tratava.

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    – Você se incomoda de dizer o nome, deu branco…

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    Foi um ataque ao ego e à amizade! Nunca mais falou comigo! Isso é supercomum. Uma autora me contou sobre uma senhora que insistia:

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    – Você vai lembrar de mim!

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    Tinham estudado juntas quando crianças, há cerca de sessenta anos! Não lembrou, e a outra se ofendeu:

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    – Só porque virou escritora pisa em cima da gente!

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    Drama maior são as fotos, principalmente para celular. Hoje em dia boa parte das pessoas, além da dedicatória, quer registrar o momento. Frequentemente a imagem ficará esquecida no universo digital. Levanto. Sorrio. O grupo se reúne. Alguém pega o aparelho. Bate a foto. E sem jeito…

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    – Não saiu…

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    Outro tenta ensinar. Demora um pouco. Bate de novo. Não sai. Alguém na fila rosna. Faço um sinalzinho pedindo um tempo. Mais uma vez. Dá certo! Chega o próximo. Assino. E…

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    – Posso fazer uma foto?

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    Seja como fã de um autor, seja no lançamento de um livro meu, eu me preocupo com quem espera a vez, muitas vezes um bom tempo! Quando vejo alguém furando fila até em lançamento de livro, lamento que boa parte das regras de convivência esteja saindo de moda.

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