Mulheres ocupam cargos importantes em grandes grifes
Foi-se o tempo em que a participação feminina no luxo se limitava às compras. Mulheres contam as dores e as delícias de atuar do outro lado do balcão
O caso de amor entre as mulheres e o luxo costuma ser contado em bolsas e sapatos, apesar de nada na gramática indicar que o verbo “consumir” seja conjugado preferencialmente por elas. Desde o início desta década, porém, um novo capítulo vem sendo escrito. As autoras são profissionais determinadas, competentes e ambiciosas que cruzaram o balcão das grandes grifes para, além de consumidoras, assumir lugares de destaque no mundo dos negócios. São as poderosAAAs, jogo de palavras que une a fatia de público que elas atendem com
um adjetivo que, aos poucos, começa a ser mais associado à presença feminina no meio corporativo. “Adoro o ambiente de escritório”, conta a paulistana Patricia Gáia, 43 anos, gerente-geral do Grupo Armani no Brasil. Acelerada, foi difícil convencê-la a sair de uma reunião e posar para a foto em que aparece nesta reportagem — ainda que o horário tivesse sido previamente agendado com sua equipe. O.k., coisas de quem nunca trabalha menos de dez horas diárias no comando de 250 funcionários espalhados pelas quinze lojas em funcionamento
no país.
Não há pesquisas nacionais que traduzam o comando feminino em números, apesar de — veja a ironia — ser possível levantar dados sobre seus hábitos de consumo. Sabia, por exemplo, que 63% das compras com cartão de crédito e cheques em lojas paulistanas de luxo estampam nomes de mulheres? É, os dados do mercado parecem discordar da gramática. Elas, de fato, consomem mais. Uma olhada em levantamentos estrangeiros ajuda a ter uma ideia da divisão entre os sexos na vida executiva. Das 500 maiores empresas dos Estados Unidos, apenas quinze CEOs (do inglês chief executive officer) são mulheres, segundo o último ranking anual da revista Fortune. Pouco, sem dúvida, mas a fatia havia sido ainda menor na edição anterior — a de 2009 ganhou outras três chefonas. “Eu me sinto num clube do Bolinha”, confessa Patricia Assui, gerente-geral da joalheria Tiffany & Co. no Brasil. E olhe que ela atua num segmento em que as mulheres têm mais vez (e voz) que nos demais, por vender um produto invariavelmente ligado ao vestuário e imaginário feminino. Duas outras marcas do ramo que têm lojas em São Paulo contam com executivas em suas fileiras. “Não temos de virar homens e usar terno para mostrar eficiência”, defende uma delas, Kelly Amorim, CEO da Carla Amorim Joias. De vestido, salto alto e cabelos longos e escovados no ambiente de trabalho, ela usou os diplomas da Fundação Getulio Vargas e de Harvard para transformar, em quinze anos, o ateliê fechado da irmã em Brasília numa grife brasileira tipo exportação. A outra é a Cartier, que tem a francesa Véronique Claverie como diretora de marketing. Mãe de dois meninos, de 5 e 3 anos de idade, chega ao escritório às 8 horas — por conta do fuso horário entre Brasil, França e Suíça, países com os quais se comunica o tempo inteiro — e se programa para sair às 19. Faz questão de acordar as crianças e vesti-las para a escola. Para compensar, passa 100% do tempo com o Blackberry ligado e adotou quase como talismã a filosofia de que, com os filhos, mais vale qualidade de tempo do que quantidade. “Não conheço ninguém que consiga conciliar perfeitamente as duas coisas. Se você encontrar uma, quero fazer estágio com ela”, brinca.
Exemplos como o de Véronique são a razão pela qual se começa a falar em mudanças na administração. Após um estudo sobre o impacto da presença corderosa nos negócios, a consultoria McKinsey & Company sugeriu duas essenciais alterações de paradigma: horas flexíveis (trabalho de casa, meio período, escritórios “móveis”) e um plano de carreira que seja pouco prejudicado por pausas obrigatórias, como a licençamaternidade. “Se estou no Brasil, despacho de casa, levo as meninas ao colégio, ao pediatra e compareço às reuniões da escola”, diz Tânia César, 41 anos, diretora de marketing da divisão de luxo da Diageo para a América Latina. Luluzinha do mercado de bebidas, em que predomina a testosterona, Tânia acredita que as mulheres têm de bater o salto e exigir tempo para ser mães — tem duas meninas, uma de 7 e outra de 2 anos. Não raro, as filhas e a babá embarcam com ela nas viagens internacionais, que ocupam nada menos do que três semanas de cada mês da sua vida.
O contracheque no segmento de luxo não distingue homens e mulheres. Quem ocupa cargos de direção, independentemente do sexo, recebe entre 15 000 e 25 000 reais mensais. Presidentes, de 25 000 a 45 000 reais, em mé dia, acrescidos de cerca de 20% de bônus. Mas os salários, para eles e para elas, são em média 30% menores que os de outros ramos. Por quê? Por causa do fator purpurina. Há uma visão de que status e glamour somam dígitos (abstratos, sem dúvida) à remuneração. No caso das mulheres, trabalhar “com o belo” e ter acesso livre a objetos de desejo. Véronique pode abrir a vitrine da Cartier e escolher — ai, que inveja! — os brilhantes que lhe der na telha, com a condição de devolvê-los na manhã seguinte.
Desde o fim da década de 90, pesquisadores começaram a analisar de onde vieram (e para onde vão) as mulheres de negócios. Em 2008, a McKinsey concluiu, após analisar 17 000 empresas que andavam mal das pernas, que o desempenho era pior nas encabeçadas exclusivamente por homens — onde havia a presença delas, o risco de falência era 20% menor. A explicação seriam as características consideradas tipicamente femininas, como sensibilidade, atenção a detalhes e criatividade. A alta cotação do talento cor-de-rosa deve-se também à cobrança do mercado por diversidade nos quadros de funcionários das empresas, sobretudo
as que têm ações na bolsa de valores, como explica Luis Gustavo Giolo, executivo da companhia suíça Egon Zehnder International, especializada em garimpar talentos para cargos de diretoria. “Investidores analisam com lupa as políticas de contratação”, diz. “As mulheres, é claro, entram com tudo nessa equação.”