Continua após publicidade

Briga em Higienópolis: moradores de luxuoso edifício não querem prédio em terreno vizinho

Local pertence à Mitra Arquidiocesana e viraria imóvel de 18 andares de alto padrão ao lado do Bretagne, icônico condomínio de Artacho Jurado

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 24 set 2021, 13h09 - Publicado em 24 set 2021, 06h00

Os moradores do Edifício Bretagne, na Avenida Higienópolis, o primeiro grande condomínio-clube de São Paulo, construído em 1950 pelo arquiteto e incorporador João Artacho Jurado, tentam impedir que parte de um terreno vizinho vire um prédio de dezoito andares. Composto de jardim de inverno coberto por uma marquise, restaurante, pianobar e uma grande piscina, o Bretagne, em formato de L e tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Conpresp), possui 173 apartamentos com pé-direito de 3 metros.

Uma unidade de 190 metros quadrados, com três quartos e dois banheiros custa cerca de 2,5 milhões de reais. A taxa mensal de condomínio beira os 2 000 reais. Ao lado de tudo isso, um terreno de 2 000 metros quadrados, que abriga um casarão centenário na frente (também tombado), pertencente à Mitra Arquidiocesana, é o centro de uma discussão que dura quase uma década.

Uma foto aérea da Avenida Higienópolis que mostra o Edifício Bretagne, o Casarão da Mitra Arquidiocesana e uma área de disputa entre vizinhos. Há a demarcação dos nomes em vermelho que pertencem a cada lugar
Vista aérea do espaço em questão: indicações mostram de quem é cada terreno (Marcelo Sonohara/Divulgação)

Tudo começou em 2013, quando a Mitra e a construtora Gafisa anunciaram a intenção de erguer um espigão na maior parte da área, deixando intacto apenas o casarão (conheça a história da doação à Igreja Católica no final da matéria). Provocado pelos moradores do edifício, o Ministério Público iniciou em 2017 uma ação civil que terminou com um relatório apontando consequências danosas caso a empreitada fosse adiante. “Tal fato acarretará sérios problemas físicos de insolação, conforto ambiental das habitações e prejuízos ao jardim arborizado, devido ao sombreamento contínuo provocado pelo pretenso prédio”, afirmou o promotor Geraldo Rangel de França Neto, autor da ação que culminou com um processo judicial em 2019.

Continua após a publicidade
Foto lateral do casarão da Mitra Arquidiocesana de São Paulo, no Higienópolis. Há árvores cercando a construção
Casarão de Higienópolis: a disputa vai longe (Alexandre Battibugli/Veja SP)

No pedido ao juiz, Neto requereu que a Gafisa fosse proibida de fazer qualquer obra, que a prefeitura não emitisse alvarás para liberação da empreitada e que o Estado, por meio do Condephaat, fosse proibido de liberar o projeto — o órgão estadual do patrimônio possui estudos de tombamentos para as duas áreas em questão.

Nas defesas, os três citados (Gafisa, Estado e prefeitura) foram na mesma linha e mostraram que a discussão deveria ser no âmbito privado. “Primeiramente, deixe-se já clara a realidade por trás desta ação: ela não debate interesse público algum, mas apenas uma disputa entre interesses privados que se utilizam de uma fachada de suposto interesse público”, afirmou a Procuradoria-Geral do Estado. “É um embate particular entre uma grande construtora de imóveis de alto padrão versus os moradores de um condomínio de classe alta, em um dos bairros mais ricos da cidade, que não querem perder o sol e a privacidade sobre sua área interna (jardins e piscina) e a incidência leste da luz do sol sobre o seu prédio (o sol da manhã, ou seja, a insolação mais valorizada).”

Continua após a publicidade

Atualmente cuidando do caso, o promotor Carlos Henrique Prestes Camargo, da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, rechaça a ideia de interesse privado. “A ação não tem nada de particular. Estamos defendendo o interesse público. Se os dois imóveis não fossem tombados, não teria o que fazer, o que não é o caso”, justifica o promotor. “Se a construção for aprovada, vão transformar o casarão da Mitra em uma guarita.”

Curiosamente, foi justamente o que ocorreu em um terreno colado ao da igreja, no lado oposto ao Bretagne. Ali, uma antiga edificação igualmente tombada foi transformada não em guarita, mas em lobby do Residencial Maria Antonieta, erguido no fundo do terreno. Não houve reclamação de vizinhos nem ação judicial proibindo a empreitada, realizada no início dos anos 2000.

Foto de longe do Edifício Bretagne. Em L, com muitos apartamentos e plantas nas janelas. Dá para ver o entorno da cidade ao redor do prédio
Os 173 apartamentos do Bretagne: vista ameaçada (Marcelo Sonohara/Divulgação)

Outro fato no mínimo curioso foi a não inclusão da Mitra Arquidiocesana como parte legítima do processo. Dois anos depois da ação, no momento em que a Justiça determinou a realização de uma perícia para analisar as acusações promovidas pelo MP, a dona do terreno vizinho ao Bretagne pediu a nulidade da ação.

“É estarrecedor ter um contexto onde o proprietário de imóvel, e detentor exclusivo de seus direitos, está excluído de uma tramitação processual por um período de cerca de dois anos, sendo surpreendido com uma determinação judicial que indica unilateralmente uma perícia em seu bem, a pedido do Ministério Público de São Paulo”, escreveu o advogado e padre José Rodolpho Perazzolo. Procurado, ele não se pronunciou. Em nota, a Gafisa ressalta que o processo de construção é legítimo. “Não há, sob nenhum ângulo, ameaça aos patrimônios histórico e cultural locais, pelo que inexistem direitos a ser tutelados pelo Ministério Público.” Depois do ingresso da Mitra na ação, a juíza Renata Barros Souto Maior Baião determinou a suspensão da perícia, ainda sem prazo para ser retomada.

Não acaba quando termina

Caso vença o processo, a Mitra não poderá vender o terreno

Mesmo que a Justiça libere a obra do futuro prédio da Avenida Higienópolis, 890, uma cláusula de inalienabilidade e impenhorabilidade, que consta da matrícula do imóvel no cartório, pode ser impeditiva para o andamento da empreitada. Na doação do terreno à Mitra, em 29 de setembro de 1942, a antiga proprietária do casarão (erguido em 1915), Leonor de Barros de Camargo, condicionou o benefício ao seu uso exclusivo voltado às dependências e aos departamentos paroquiais. Hoje, o imóvel é utilizado como sede administrativa da Mitra.

“Para efetuar a venda e obter os devidos registros nos cartórios de imóveis, é necessário o ajuizamento de ação própria para desconstituir tais cláusulas. Apenas mediante decisão judicial a venda poderá vir a ser registrada na matrícula”, afirma o advogado Paulo Vinicius de Carvalho Soares, especialista em direito imobiliário.

Continua após a publicidade

Colaborou Ricardo Ferraz

+Assine a Vejinha a partir de 8,90.

Publicado em VEJA São Paulo de 29 de setembro de 2021, edição nº 2757

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Para curtir o melhor de São Paulo!
Receba VEJA e VEJA SP impressas e tenha acesso digital a todos os títulos Abril.
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe semanalmente Veja SP* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de São Paulo

a partir de R$ 39,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.