Ludhmila Hajjar, a médica que não quis ser ministra, vê clientela disparar
Os bastidores da conversa com Bolsonaro e o dia a dia frenético da cardiologista que atende de Juliette a Gilmar Mendes
Vencedora do Big Brother Brasil deste ano, a cantora paraibana Juliette Freire revelou o motivo pelo qual se inscreveu no programa: queria pagar uma cirurgia para a mãe, dona Fátima. “Ela tinha um buraquinho no coração. Quando fez os exames, era muito maior do que a gente esperava”, diz a ex-BBB. Uma pequena prótese resolveu a imperfeição.
Quem comandou o caso foi a médica Ludhmila Hajjar, 44 anos, a mesma que recusou a cadeira de ministra da Saúde em março, na saída de Eduardo Pazuello — apesar de discordar da cartilha bolsonarista, ela topou se reunir com o presidente após ter sido indicada por pacientes como Gilmar Mendes e Arthur Lira.
“A conversa foi horrível, ele achava que não deveria mudar nada no ministério”, ela se recorda. Após o bafafá, a clientela (inclusive de famosos como Juliette) aumentou na luxuosa clínica que Ludhmila abriu um ano e meio atrás no Itaim Bibi, vizinha ao hospital Vila Nova Star, onde conduz os tratamentos. “A procura cresceu pelo menos 50%”, diz.
Entre políticos, artistas e celebridades, até 150 pacientes passam semanalmente pelas antessalas — e pela infindável varanda — dos domínios de Ludhmila (veja na foto abaixo). A cardiologista e intensivista atende de Juliette a Gilmar Mendes, de Anitta a Rodrigo Maia, de Roberta Miranda a Ronaldo Caiado, de Edson (parceiro de Hudson) a Dias Toffoli. A clínica tem três consultórios, nos quais Ludhmila e mais três médicos formam o time que atende com a grife da doutora. Uma consulta de rotina com ela custa 1 800 reais.
Somada à equipe que mantém no hospital ao lado, Ludhmila tem doze contratados, boa parte ex-alunos dela no doutorado em cardiologia da USP. O Vila Nova Star pagou a montagem da clínica e banca as cinco funcionárias do espaço. É um tipo de acordo comum: médicos estrelados ganham o consultório e usam a estrutura de um determinado hospital e, em troca, encaminham os casos para lá.
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“Investimos 350 milhões no Vila Nova Star (o prédio já existia), o que incluiu montar clínicas na região para atrair profissionais de destaque. Até o fim do ano, faremos mais 1 600 metros quadrados”, diz Paulo Hoff, ex-diretor do centro de oncologia do Sírio-Libanês que se tornou sócio da nova unidade e líder da área oncológica da Rede D’Or, dona da marca Star.
Além de Ludhmila e Hoff, outros especialistas renomados como o infectologista Esper Kallas, o urologista Miguel Srougi e o cirurgião Antônio Macedo passaram a atuar no Vila Nova Star — a disputa pelos craques dos bisturis, travada com o Sírio e o Albert Einstein, lembrou a rivalidade milionária entre clubes como Barcelona e PSG.
Inaugurado em maio de 2019, o Vila Nova Star entrou nessa corrida no papel de vitrine da Rede D’Or, grupo que levantou 11,4 bilhões de reais no segundo maior IPO da história da bolsa brasileira, em dezembro. Tem equipamentos exclusivos no país, como uma Cyberknife para radioterapias de altíssima precisão de 5 milhões de dólares (acima). A diária de internação custa em média 5 000 reais e cerca de 30% dos pacientes são particulares. “Os 89 quartos estão ocupados. Vamos construir uma nova torre com mais 140 quartos até o fim de 2022”, diz Pedro Loretti, diretor-geral do hospital.
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O novo consultório marca uma guinada na carreira de Ludhmila. Nascida em Anápolis (GO) e formada na Universidade de Brasília, em 2000, a médica dedicou a maior parte da vida profissional à área acadêmica (é professora de cardiologia na USP e vice-coordenadora da pós-graduação na especialidade) e ao atendimento pelo SUS, que ainda ocupa suas manhãs (dirige a área de cardiologia para pacientes oncológicos no InCor e no Instituto do Câncer, além de chefiar uma UTI de Covid no Hospital das Clínicas).
A atuação privada acontecia no Sírio-Libanês, onde ela cuidava da chamada cardio-oncologia e comandava duas UTIs — uma delas, porém, também voltada a pacientes da rede pública. “Minha atuação privada começou, para valer, de um ano e meio para cá (após trocar o Sírio pelo Vila Nova Star e ganhar a clínica)”, ela explica, sempre em ritmo apressado de conversa, enquanto almoça uma batata Pringles às 3 da tarde no consultório. “Nunca tomo café da manhã, nem paro para almoçar. Faço a primeira refeição de verdade às 5 ou 6 da tarde”, diz.
No meio médico, Ludhmila é conhecida por atender nas madrugadas, não descansar nos fins de semana e nunca tirar férias. Voa toda sexta-feira para Brasília, onde visita a clientela do DF Star. “Às vezes tento entender quantas horas ela dorme, porque em qualquer momento que eu ligue ela está acordada”, diz Tata Werneck, uma das famosas atendidas pela doutora.
“Uma vez”, acrescenta Loretti, “telefonei para ela três vezes no mesmo dia e ela atendeu cada ligação em um estado diferente do país”, ele conta. “Era assim desde os tempos da residência no Hospital das Clínicas: não descansava nunca”, completa Antonio Antonietto, diretor-médico do Vila Nova Star — outro ex-craque do Sírio que teve o passe comprado pelo hospital. “Viemos atraídos pelo projeto. A Rede D’Or vai investir 1,5 bilhão em São Paulo no ano que vem. Olhe para os três hospitais de alta complexidade da cidade: qual deles oferece uma perspectiva melhor para nós em médio prazo?”, questiona.
Ao recusar o Ministério da Saúde, Ludhmila virou uma figura pública, o que a ajudou a aumentar o número de pacientes, mas rendeu dores de cabeça. “Na época, me senti frustrado e feliz”, relembra Gilmar Mendes, ministro do STF, um dos que indicaram a cardiologista para a pasta. “Frustrado porque o Brasil perdeu a oportunidade de ter uma ministra competente e carismática, que une as pessoas. Feliz porque ela continuou sendo nossa médica”, diz.
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“Ludhmila cuidou da minha mulher (Guiomar) durante os dezessete dias em que esteve internada com Covid-19 no DF Star. Também atende a mim e a outras pessoas da família. A Guiomar se refere a ela como a ‘Anja Ludhmila’”, conta o ministro. No calor do episódio, porém, a médica virou o alvo da vez das hostes bolsonaristas.
“Meu celular foi bombardeado, criaram um monte de perfis falsos, recebi muitas ameaças dos ‘cloroquiners’ no telefone… Fiquei tensa”, ela lembra. Nas redes sociais, passou a circular um vídeo em que Ludhmila tocava no violão Amor I Love You, de Marisa Monte e Carlinhos Brown, para Dilma Rousseff (de quem cuida junto com o médico Roberto Kalil Filho, diretor de cardiologia do Sírio). No último verso, a médica improvisou: “presidenta, I love you”, cantou. “Amo a Dilma assim como amo o (presidente da Câmara) Arthur Lira (PP). A medicina não tem nome, cor ou partido”, diz.
Pode parecer conversa para agradar à ampla clientela, mas há relatos que confirmam tal amor não polarizado. “Ela costumava passar para me visitar na UTI de madrugada, por volta das 2 da manhã. Ao sair, tinha um ritual: sempre me dava um beijo na testa”, diz Meyer Nigri, 66 anos, fundador da Tecnisa, que ficou 160 dias internado por Covid-19 — e segue apoiador de Jair Bolsonaro.
“Fiquei dezesseis dias em ecmo (equipamento que substitui o pulmão em casos gravíssimos), perdi 38 quilos. Tenho certeza de que ela salvou minha vida”, diz o empresário, que afirma estar 90% recuperado. “Ludhmila não erra diagnósticos, deixa qualquer médico no chinelo. Só tem um problema: se alimenta basicamente de Coca-Cola”, ele conta.
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Nos bastidores, Ludhmila tem uma posição política com ares de terceira via, como quem prefere não votar na esquerda, mas também não teria votado em Bolsonaro. Não visitou o presidente quando ele esteve no Vila Nova Star para tratar de uma obstrução intestinal, em julho.
“Não dá mais, né? Azedou.” “Qualquer médico sonha em virar ministro da Saúde. Eu imaginava levar a USP inteira para Brasília: os melhores da estatística, da matemática, da epidemiologia”, diz. “O sonho durou 24 horas. No início da conversa, entendi que Bolsonaro achava que o Pazuello tinha sido o melhor ministro da história e nada deveria mudar. Ao final, eu disse que não aceitaria. Ele pediu que considerasse até o dia seguinte. Voltei e novamente recusei a vaga”, afirma.
Moradora dos Jardins, Ludhmila nunca se casou e tem pouquíssimos hábitos fora da medicina. Lembra-se de citar apenas o violão. Aprendeu ainda pequena (foto abaixo) e mantém um instrumento em cada base que frequenta — São Paulo, Brasília e Anápolis, onde vive a família. (A outra foto, com a sobrinha, mostra a única vez em que visitou o Parque Villa-Lobos.)
“Antes da pandemia, eu jogava tênis. Depois, nunca mais tive tempo”, ela diz. Não raro, a rotina de alta exigência resulta em cobranças enérgicas aos jovens da equipe. “É bronca toda hora, o pessoal tem medo dela”, brinca — mas não muito — Stéphanie Rizk, 34 anos, cardiologista que trabalha na clínica do Itaim Bibi. A equipe acompanha os horários estendidos e costuma receber ligações com pedidos urgentes tarde da noite.
“Eu não era brava: fiquei brava”, diz Ludhmila. “Aprendi a me defender. Tem muito preconceito com as mulheres no meio médico. Você sente que o tratamento não é igual, que usam a hierarquia de um jeito inadequado. Agora, o povo tem medo de mim”, ela concorda.
A médica jura que não tem intenção de assumir papéis políticos. Faz política de outra maneira: tem como mantra a redução da desigualdade. “Vou bater a vida inteira nessa tecla”, diz. Além de atender no SUS e lecionar na rede pública, ela afirma que todo dia faz consultas pro bono na clínica privada. Chegou a comprar respiradores e a fretar voos do próprio bolso na pandemia. É defensora aguerrida do SUS, mas apoia parcerias público-privadas no sistema. E faz crescer em ritmo acelerado a rede de contatos (leia-se: a clientela) no meio político, da esquerda à direita. Se não mudou o país no ministério, tenta mudá-lo um paciente por vez.
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Publicado em VEJA São Paulo de 29 de setembro de 2021, edição nº 2757