Maria José Granja tem cabelos sedosos, grisalhos e curtinhos. Aparou nesse comprimento pela primeira vez aos 50 anos. Na época, seu pai acabara de morrer e, com ele, chegava ao fim uma série de sujeições — a obrigação de manter as longas madeixas entre elas. Mas já era tarde — julgava a senhora — para se livrar do analfabetismo, outra condição imposta pelo progenitor. “Ele achava que mulher só queria ler e escrever para trocar cartas com os namorados”, conta.
Mesmo impedida de expressar em letras suas juras de amor, Maria se apaixonou quando tinha 16 anos. “Eu ia buscar água para minha mãe e ele vinha atrás de mim”, diz, com um sorrisinho discreto. O problema é que namorar significava casar. Então, a garota que ajudava a manter a “roça” de milho, arroz, feijão e outros alimentos para a subsistência da família em Piracicaba sugeriu ao rapaz, num sotaque caipira carregadíssimo, que guarda até hoje: “Ocê qué ki eu arrume uma muié pra ocê? Eu arrumo”. E apresentou a amiga Luiza ao pretendente, de cujo nome ela não se lembra mais. Maria só foi namorar de fato uns dois anos mais tarde. E teve de casar em seguida. “Ele colocou a mão onde não divia, eu gostei, minha mãe viu, casamu”, relembra.
Em seguida, prestes a completar duas décadas de vida, engravidou da primeira filha, Magdalena. Com intervalos de três anos, então, deu à luz outras duas meninas. Quase morreu no terceiro parto. Uma das filhas, Adelaide, faleceu há treze anos, mas lhe deixou a neta Sueli (42), com quem Maria mora atualmente. É enquanto a moça cozinha para as duas que a avó pita (sem tragar) um dos cinco ou seis cigarros de fumo de corda e palha cuidadosamente enrolados por sua caçula, Marta (73), que mora a sete quadras de sua casa, na Mooca. Antes de dormir, ela benze as portas e janelas para garantir a proteção da família. “Mesmo sem saber ler, consegui aprender a rezar.”