Prestes a desembarcar na COP30, Marcelo Rosenbaum fala sobre projetos em parceria com povos indígenas
Com quinze anos de parceria com comunidades tradicionais, arquiteto tem dois grandes projetos em Belém
Quando o cacique Biraci Nixiwaká Yawanawá conheceu o arquiteto paulista Marcelo Rosenbaum, em 2012, no Festival Yawa — a maior celebração cultural e espiritual do povo Yawanawá —, ele não imaginava que dali surgiria uma parceria capaz de atravessar os limites da floresta. “Vi uma pessoa de bermuda sentada na poeira. Perguntei: ‘quem é esse maluco?’, porque ele não tinha se identificado. E é uma das coisas que eu mais admiro no Marcelo hoje em dia, a discrição”, lembra o líder da Terra Indígena que fica às margens do Rio Gregório, no Acre. Da relação nasceu um complexo arquitetônico que levou a Aldeia Sagrada Yawanawá para a Bienal de Veneza deste ano.
Construído com madeira nativa, cuidadosamente extraída sob o olhar dos moradores, e erguido em esforço coletivo entre o Escritório Rosenbaum, ribeirinhos e indígenas, o conjunto de edificações reúne a Universidade dos Saberes Tradicionais, a Casa Modelo e o Centro Cerimonial. “Foi a quebra de um paradigma para mim, fazer uma construção no meio da Amazônia, em um lugar de difícil acesso, com uma logística que custou três vezes mais que a obra. É um legado para os povos indígenas do mundo, uma inspiração para as novas gerações de que é possível fazer tecnologia com respeito às ciências ancestrais”, defende o cacique.
Mais do que edifícios, o complexo de três prédios propõe uma nova maneira de construir: unindo saberes tradicionais e contemporâneos, com tecnologia de ventilação cruzada que respeita o clima local. “Foram catorze anos de tentativas, respeitando o tempo da natureza. É uma obra fruto do protagonismo de um cacique, que conseguiu recursos a partir da arte local para me contratar e erguer construções que oferecem conforto térmico e durabilidade”, conta o arquiteto.
Agora, mais de uma década depois do início do projeto pioneiro, Marcelo se prepara para apresentar dois grandes trabalhos na COP30 — a conferência mundial do clima, a ser realizada em Belém entre 10 e 21 de novembro — que não deixam de ser frutos do aprendizado junto aos Yawanawá. Um deles é a Aldeia COP, uma megaestrutura articulada pelo Ministério dos Povos Indígenas para abrigar 3 000 representantes de etnias da Bacia Amazônica e de outras regiões do mundo. Em meio ao cenário de especulação imobiliária que afeta os moradores da capital paraense e as delegações do megaevento, a iniciativa autogestionada ocupa mais de 72 000 metros quadrados da Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará (UFPA), com alojamento, refeitório, arena de debates, casa de reza e feira.
Dentre eles, 14 000 metros quadrados são de área já construída. “A ideia foi adaptar a infraestrutura existente e criar uma geodésica com passarela até a casa de reza. São construções leves, rápidas de montar e de baixo custo. Neste momento, estou na retaguarda, apoiando; quem está erguendo é a comunidade Guajajara”, explica Rosenbaum.
Paralelamente, ele finaliza a Casa Maraká, um casarão centenário no coração de Belém, na Avenida Nazaré — tradicional rota do Círio de Nazaré —, que abriga a Mídia Indígena, uma rede nacional com uma década de apoio a jovens comunicadores indígenas. “Nossa primeira parceria com o Marcelo foi em 2023 para a criação do Festival Brasil é Terra Indígena. De lá para cá, foram vários trabalhos. Então, o restauro dessa casa não poderia ser feito com outra pessoa. Ela materializa esses dez anos de pautas socioambientais, das artes e culturas indígenas”, explica Hony Sobrinho, coordenador de projetos na rede de comunicação.
Durante a conferência, a casa receberá uma exposição de fotógrafos indígenas, sessões de cinema e debates sobre demarcação de terras. “Foi uma honra receber esse convite do coletivo para desenhar uma casa que vai se tornar um legado pós-COP, quando ela se transforma numa escola para qualificar comunicadores”, celebra Marcelo, que participou do primeiro evento no casarão, realizado durante o último Círio, no dia 12 de outubro.
Entre idas e vindas de São Paulo a Belém, ele retorna à capital paraense no dia 25 para montar a exposição Habitar a Floresta, em parceria com o também arquiteto Fernando Serapião. Ela abre no dia 30 e vai ocupar o mezanino do Centro Cultural Banco da Amazônia com uma curadoria que destaca catorze projetos, do Equador, da Bolívia, do Peru e da Amazônia brasileira. A mostra propõe um olhar colaborativo sobre a arquitetura tropical, valorizando iniciativas que fortalecem a permanência das populações locais em seus territórios.
“Quem protege a floresta e mantém ela em pé são os povos indígenas dentro de áreas demarcadas. Mas ainda existem poucas oportunidades para garantir a permanência nos quesitos moradia, saúde, educação e geração de renda. Algumas delas são de escritórios incríveis que trabalham em prol de uma habitação de alto impacto social e com baixo custo”, afirma Marcelo.
Com o objetivo de amplificar o diálogo em torno de uma arquitetura em defesa da justiça climática, Rosenbaum se uniu à Unesp, ao Insper, à Escola da Cidade e à Casa da Floresta Ambiental para desenhar a primeira Bienal Indígena de Arquitetura e Urbanismo. O plano vai nascer de oito dias de escutas com os representantes dos povos na Aldeia COP. “Queremos uma curadoria feita por eles, que cause impacto na defesa da demarcação e no letramento do público não indígena”, adianta. Durante a agenda intensa da conferência climática, Marcelo também espera que o Conselho Indígena de Roraima — que reúne mais de trinta etnias — consiga captar recursos no evento para uma nova sede em Boa Vista, já projetada pelo Escritório Rosenbaum.
O pós-COP promete ser igualmente movimentado, com construções em andamento em diferentes estados do Brasil. No Ceará, estão sendo erguidos treze edifícios com o povo Tremembé para a geração de renda. Na terra natal, Rosenbaum integra um time para a possível mudança do Museu das Culturas Indígenas, instituição onde foram feitas as fotos para esta reportagem. O acervo, que inclui uma instalação de Denilson Baniwa e murais de Tamikuã Txihi, está atualmente na Água Branca. A proposta é que vá para um prédio no centro de São Paulo, embora o plano ainda esteja em tratativas.
Com tantos trabalhos em andamento, Rosenbaum ainda toca o Instituto A Gente Transforma, que através do design fomenta parcerias com comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas em várias regiões do Brasil. A primeira delas, junto às artesãs do quilombo de Várzea Queimada, que fazem arte com o capim-dourado do Cerrado, se transformou na coleção de luminárias Jalapoeira Apurada, que passou pela SP-Arte e está à venda na La Lampe. O projeto terá continuidade por mais três anos, com convênio da World Wildlife Fund, organização mundial voltada para a preservação da biodiversidade, que vai receber, em seu espaço próprio na COP30, Rosenbaum e lideranças quilombolas.
Completando quinze anos de atuação em colaboração com comunidades tradicionais Brasil afora, Marcelo define o seu trabalho como uma ferramenta de amplificação cujo pilar é a aliança. “São projetos com muita gente envolvida, que só podem ser construídos em conjunto nos territórios; é intenso. Eu agradeço todos os dias por poder estar perto desses mestres, desses grandes detentores de conhecimentos”, afirma. A troca de ideias sempre nos leva adiante.
Publicado em VEJA São Paulo de 24 de outubro de 2025, edição nº 2967
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