Marcelo Gleiser: “A ciência nunca é uma verdade absoluta”
Astrofísico acaba de lançar 'OPonto Cego', livro em que critica a visão científica atual, e terá trajetória contada em documentário
Marcelo Gleiser, 66, sempre se interessou pelas grandes perguntas do mundo. Talvez por isso, se formou no curso de física na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC- Rio) decidido a se especializar no campo que propõe as maiores questões — em tamanho e importância. “Gravitei direto para a astrofísica”, explica, com o oportuno trocadilho.
Um dos principais divulgadores científicos e especialista no estudo do universo, o pesquisador agora se dedica à filosofia da ciência, manifestando suas críticas a uma visão endeusada do saber científico. Essas reflexões foram reunidas no livro O Ponto Cego: Por Que a Ciência Não Pode Ignorar a Experiência Humana (Editora Record; 420 págs.; R$ 89,90), escrito em parceria com o físico Adam Frank e o filósofo Evan Thompson e lançado no fim de setembro, em São Paulo.
Há duas semanas, ele terminou de gravar um documentário sobre sua trajetória, a ser lançado pela distribuidora Aquarius em 2026. “O problema de documentário sobre sua vida quando você está vivo é que você pode assistir”, brinca. Confira a seguir a entrevista que ele concedeu à Vejinha.
Seu novo livro fala de “pontos cegos” na ciência. Quais são eles?
Tem uma lista grande. Um deles é o que chamamos de exageros do reducionismo, a ideia de que sempre é possível descrever um sistema complexo dividindo-o em pequenos pedaços. Descrever os átomos, por exemplo, não nos faz entender o comportamento do todo de uma célula. Outro ponto cego eu chamo de “confundir o mapa com o território”. Nós olhamos para o mundo e o captamos por nossas sensações, informações que vêm da experiência de estar no mundo, e, depois, criamos um modelo que explica o que está acontecendo. Mas começamos a confundir o modelo, que usamos para descrever as coisas, com a realidade em si.
Qual seria um exemplo disso?
É como olhar o mapa de São Paulo no Google Maps e achar que aquilo é a cidade, quando na verdade é uma representação limitada dela. Os modelos da ciência são isto, representações limitadas da natureza. Isso acontece porque os cientistas tiveram tanto sucesso em descrever coisas como os sistemas quânticos e a expansão do universo, que eles acham que as teorias e equações que usamos para descrever esses objetos são a natureza em si. Eles não percebem que elas são uma narrativa, uma representação do mundo natural. As pessoas acham que se trata da única versão da realidade, mas a ciência nunca é uma verdade absoluta, é uma verdade construída.
Podemos dizer que essa visão se aproxima da religião?
Sim, com certeza. Há uma transposição mitológica; o que antes era coisa de deuses, a ciência agora faz. Então, ela está se tornando uma nova espécie de divindade, que vai ser capaz de responder a todas as nossas perguntas. Mas isso é perigosíssimo.
Existem perguntas que ela nunca será capaz de nos responder?
Sim. Qualquer sonho de conhecimento absoluto é completamente errado. Todo olhar que temos do mundo depende dos instrumentos que temos, como microscópios, telescópios, e todo instrumento tem um limite de precisão. Então, nossa visão é sempre comprometida pela tecnologia.
Como esse entendimento sobre a ciência impacta a crise climática?
O sucesso do nosso projeto de civilização é muito pautado no sucesso da ciência. Acreditamos que ela sempre vai dar um jeito em tudo, e isso faz com que a gente deixe de pensar nos danos que causamos para o mundo natural. Precisamos entender suas limitações e ter claro que a ideologia de crescimento infinito é completamente contraditória com a realidade da biosfera do nosso planeta finito. Outro problema é acharmos que nós, seres humanos, estamos acima do mundo natural. Para mim, temos que abraçar um outro tipo de ética, a que chamo ética do pertencimento. Nós pertencemos ao mundo natural e somos completamente dependentes da natureza.
Por que nenhum pesquisador brasileiro ganhou o Nobel? É uma falta de reconhecimento internacional?
Não acho que o mundo tenha alguma coisa contra cientistas brasileiros. Acho que é muito difícil fazer ciência competitiva em nível mundial em um país que tem instabilidade de financiamento à pesquisa. Precisamos de muito mais investimento. Outra questão é que a maneira como a ciência é ensinada nas escolas em geral é muito chata, então ninguém quer fazer ciência.
O que te fez, então, seguir esta carreira?
Sempre fui muito curioso e tinha muito acesso à informação, além da sala de aula, porque meus pais tinham muitos livros em casa. Então, pude cultivar esse amor que sempre tive pela natureza.
Se sua paixão era a natureza, por que não foi para a área de biologia?
Eu deveria ter ido. Na época, pensava muito na vida, tinha uma atração enorme por insetos, colecionava bichos, mas acabei indo para a física. Depois de 25 anos comecei a me interessar cada vez mais pela vida. Fui trabalhar com a origem da vida e a possibilidade de vida fora da Terra, a astrobiologia. Então, no final da história, acabei voltando à vida, e meu projeto atual é pesquisar sobre como ela se tornou inteligente. Fui da física, que era a origem do universo, para a origem da vida e, agora, para a origem da mente. Para mim, essas são as três grandes questões. Vou morrer sem resolver nenhuma das três, mas me diverti muito no caminho.
Já que entramos no assunto, existe vida fora da Terra?
A gente não sabe. Por enquanto não temos nenhuma evidência. Mas isso não significa que a gente possa eliminar essa possibilidade. Eu diria que deve ter, porque senão seria muito estranho, se fôssemos só nós. Mas posso dizer duas coisas: para mim a vida vai ser muito rara, não é um fenômeno comum no universo, e vida inteligente capaz de produção de tecnologia é mais raro ainda. Outra coisa que posso dizer, com certeza absoluta, é que nós somos os únicos seres humanos do universo. Não vai haver no universo inteiro outra forma de vida como a gente. E, por isso, nós somos a forma como o universo conta sua própria história. Nós somos a voz do universo. E isso tem muito valor.
Publicado em VEJA São Paulo de 31 de outubro de 2025, edição nº2968.
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