Mães de adolescentes: autoridade sem perder a ternura
Ter um jovem entre 12 e 18 anos em casa é desafiador. Mas, com presença e muita conversa, essa fase tem tudo para ser um grande aprendizado para ambos os lados

Com o Dia das Mães se aproximando, aí vai um recado para quem tem um ou mais adolescentes em casa: se ele disser que você é “mó resenha”, agradeça. Você passou pelo crivo desse jovem, que está em uma fase da vida considerada difícil de agradar. Ser “resenha” corresponde a ser bacana, gente boa ou legal, no linguajar adulto contemporâneo. Então, comemore.
Além de compreender as gírias do momento (leia o quadro na pág. 17), ser mãe de filhos nessa fase da vida — que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define ocorrer entre 12 e 18 anos — envolve ter jogo de cintura para atravessar a explosão hormonal e os altos e baixos do humor, sem perder a cabeça. A faixa etária, um período confuso de transição entre a inocência da infância e a autonomia da vida adulta, virou tema de discussão com a série da Netflix Adolescência, sucesso inegável, lançado em março deste ano, que acompanha um menino de 13 anos acusado de assassinar uma colega da escola. A história, que chocou o mundo, abriu os olhos para os perigos das redes sociais e mostrou as últimas consequências do desejo de pertencimento inerente aos jovens. Mas a adolescência, de uma forma geral, não é pautada por casos extremos como esse, e acompanhar essa transição pode ser um convite para que as mães encarem a realidade de uma nova forma.
“O adolescente olha a vida a partir da curiosidade, com um desejo de mudar o mundo. Eles estão aprendendo a viver, e a gente pode aprender com eles”, explica apsicóloga e neuropsicóloga especialista em atendimento de adolescentes Lilian Vendrame. As brigas e rebeldia são parte do processo. “A adolescência é um processo de tornar-se um indivíduo. É um mo – mento em que o jovem confronta os pais, porque está construindo seus próprios interesses e valores”, aponta Lilian. E o segredo, segundo a especialista, é a comunicação, para entender os momentos em que o filho necessita de cuidado e quando ele precisa de espaço.
Para o psicanalista junguiano Marcus Quintaes, essa é a fase em que a vida começa a acontecer fora do circuito familiar. “Ela fica maior e isso implica novas relações, novos cenários, desafios, personagens, paisagens e contextos. Esse é o grande desafio”, afirma o profissional. E o papel dos pais, segundo Marcus, é ajudar os filhos a interpretar o mundo, os códigos, as novidades com o corpo. O que acaba sendo um aprendizado mútuo, mesmo que desafiador para ambos. E a influência dos pais nesse momento é poderosa, acrescenta o psicanalista. “Se eles são temerosos, o mundo vai parecer mais assustador para esse adolescente.”
O contrário, por sua vez, ajuda a tornar tudo mais interessante. “Pais abertos ao diálogo vão ajudar nesse momento de descoberta da autonomia, da sexualidade e do pertencimento.” E ele completa: a tecnologia — presente em videogames e smartphones — não precisa ser tratada como vilã. “O mais importante é como se faz uso dela, já que também pode ajudar o adolescente a ficar mais atento e atualizado.” Vejinha reuniu histórias de mães em diversas áreas para contar como estão lidando com essas transformações. Elas compartilham aqui as dores e as delícias dessa fase.
Adolescência em dobro
Tiê encara a adolescência em dose dupla, com Liz, de 15 anos, e Amora, de 12. Além delas, a cantora e compositora ainda tem Rosa, de 1 ano, bebê que chegou para agitar ainda mais a casa cheia de hormônios à flor da pele. “É um desafio e, ao mesmo tempo, estou achando superdivertido”, diz ela, com bom humor. As três compartilham histórias e guarda-roupas. O casaco que Tiê usou no ensaio fotográfico, por exemplo, já é disputado por Liz, que acusa a irmã Amora de “roubar” sua sandália. “É um troca-troca sem fim”, conta a artista.
Para ela, o momento mais desafiador é a idade de Amora, essa transição entre criança e pré-adolescente. “Sei que vai passar, mas o ideal é que seja da maneira mais divertida e leve possível”, conta. Amora admite que tem mudado bastante — para espanto da mãe. “Ela ainda fica surpresa com a vaidade que eu tenho agora. Antes, me vestia de maneira mais largada”, conta a menina, que já faz planos para quando tiver a idade da irmã mais velha. “Quero sair e viajar com os meus amigos.”
Já Liz, 15, vem tentando convencer a mãe de que é uma boa ideia passar um tempo em Londres. “Eu quero estudar, não estou pensando em namorar nem nada. Queria que ela relaxasse”, diz a moça. Para dar conta de tantas vontades, Tiê tenta conduzir tudo a partir da escuta. “Na adolescência, a gente tem muito essa sensação de não ser ouvido, e não queria que elas se sentissem assim. Confio muito nelas e quero que sintam que também podem confiar em mim. Mas entendo que precisam ter espaço para não me contar tudo, e tudo bem”, pondera. A maternidade está nas letras do novo disco. Ela escreveu uma música inspirada nas filhas, mas acabou levando bronca por usar um vocabulário ultrapassado. “Cantei ‘procure alguém que você considere legal’ e elas riram da minha cara. Falaram que ‘legal’ não existe mais. Agora vou ter que mudar a letra…” (V.B. e L.P.L.)
“Mãe, sei que você se espanta com como eu mudei o meu estilo. Antes, eu nem ligava para roupa, me vestia de maneira mais largada. Mas fiquei mais vaidosa e não vejo a hora de poder sair e viajar com os meus amigos. Aliás, não é porque eu goste de ficar com eles que eu não te amo. Você é a minha melhor amiga. Feliz Dia das Mães.” Amora, 12
“Relaxa, mãe. Eu sei que acha Londres muito longe. Mas eu querer morar fora não significa que não ame vocês. Significa que preciso do meu espaço. Eu já sei me cuidar e você sempre vai ser a minha melhor amiga. Feliz Dia das Mães.” Liz, 15

De igual para igual
De uns seis meses para cá, Helen Ramos, 38, tem notado mudanças no Caetano, que está prestes a completar 12 anos. O clima pré-adolescente foi chegando aos poucos e se manifestou primeiro em pequenos detalhes, no perfume que passou a usar para ir à escola, uma vaidade inédita, nas respostas atravessadas que começou a dar. Para a atriz, roteirista e apresentadora do podcast RadioHel — programa semanal em que discute vários temas, e aborda maternidade e préadolescência —, o maior desafio é manter a paciência. “O Caê está numa fase muito provocativa, ele começou a questionar tudo: quer saber por que tem que ir à escola, por que fazer lição de casa.”
No meio de tantos questionamentos, também vão surgindo dúvidas sobre seu lugar no mundo, e ele começou a tomar consciência das injustiças sociais. “É um desgaste emocional frustrar uma pessoa que você ama e ter que explicar que nem sempre as coisas são como a gente gostaria e que às vezes temos que fazer o que não gostamos.” Outro desafio foi falar sobre temas mais cabeludos. “Não tive pais que falavam de sexo, masturbação, bullying, então para mim é uma coisa nova. Mas tento falar desses assuntos de forma mais natural”, afirma.
A nova fase de Caetano também abriu portas para um companheirismo entre mãe e filho. “Conversamos de igual para igual.” Helen se preocupa em fazê-lo saber que ele pode se abrir e se confidenciar com a mãe, sem, contudo, arrancá-lo à força do estado de retraimento natural da idade. Uma das formas que encontrou para se conectar com esse novo indivíduo que começa a ganhar os primeiros traços autorais foi se aproximar dos interesses dele. Começou a demonstrar curiosidade pelos animes japoneses, pelo mundo dos zumbis, entrou de cabeça no universo do rap. Passou a juntar-se a ele assistindo a reality shows de gastronomia e até se aventurou em aulas de surfe. “Foi uma inversão de papéis muito interessante. Ele me passou as técnicas, me ensinou e me incentivou a continuar tentando”, lembra. (L.P.L.)
“Mãe é uma pessoa que está com você, vê suas primeiras conquistas, fica feliz por elas, cuida de você, ama você de todas as formas, não importa o que você tenha feito.” Caetano, 11

Amor e informação
“Filhos adolescentes são a nossa janela para o mundo”, diz a criadora de conteúdo Estéfi Machado, 47, mãe de Teo, 17. “Teo é uma ótima companhia para ir ao cinema, sair para jantar e conversar”, elogia Estéfi, que sempre se colocou disponível para todo tipo de conversa com o filho. “O pai dele e eu sempre fomos honestos em relação a todos os assuntos. Acredito que é muito importante que os adolescentes estejam bem informados.”
De acordo com ela, a transição do filho da infância para a adolescência foi o único momento mais tenso para a família, quando a vida “parecia um game que mudou de fase”. “Foi um choque. Ele ficou mais irritado e arredio, não se entendia com ele mesmo”, conta. Com paciência e interesse pelos novos sentimentos do filho, Estéfi construiu uma relação de confiança e amizade com Teo. “Acredito que o segredo para proteger esses jovens, na vida digital ou real, é estar próximo a eles e interessado de verdade no que estão fazendo. Ser mãe de adolescente é um exercício de humildade”, afirma. “Eles têm coisas para aprender, mas também o que nos ensinar.”
O único momento em que a coisa pega é nas saídas noturnas do rapaz. “Ele é muito sociável, às vezes tem vários programas no mesmo dia”, diz Estéfi. A solução: domar a ansiedade e ter, por precaução, o telefone dos amigos. “Caso ele esqueça de me avisar onde está, ligo para um dos amigos”, afirma. Afinal, mãe é mãe. (V.B.)
“Mãe é quem te observa, te conduz e te traz para esse período de tempo que chamamos de vida. Eu acho que ainda preciso de cuidados de saúde e ajuda para organizar a transição da adolescência para a vida adulta. Também preciso conversar e ser ouvido, mas você não precisa se preocupar com a minha segurança andando na rua. Já tenho discernimento para entender o mundo e seus perigos. Gostaria que soubesse que sou muito grato por todos os ensinamentos. Isso fez eu me tornar quem eu sou hoje. Feliz Dia das Mães, véia! Muita saúde e muitos mais anos de mãe pra você!” Teo, 17

Afeto e sabores
Especialista em projetos de alimentação equilibrada, natural e socialmente responsável, a gastrônoma Priscila Nonaka aproveita as reuniões à mesa para conversas em família, com o filho Pedro, 13. “Temos esse hábito de jantar juntos”, diz Priscila, cuja empresa reformulou o cardápio do colégio onde o filho estuda — para incluir comidas não processadas e de procedência responsável.
E, assim, abrindo espaço para trocas nos momentos à mesa, ela vive a adolescência de Pedro de forma tranquila. “É claro que há desafios, como as mudanças repentinas de humor”, admite. Mas Pedro pede a palavra, para focar no que importa: “Eu confio nela e ela em mim”, diz o menino, entregando a fórmula que tem dado certo em casa: a que une liberdade com responsabilidade. E falando em responsabilidades, Pedro acaba de ganhar mais duas: lavar a louça e passear com o cachorro. “No começo, eu não gostei. Mas, depois, vi que precisava colaborar e não deixar tudo para a minha irmã mais velha (de 19 anos)”, conta o menino, que recentemente recebeu da mãe outra tarefa: fazer arroz. “Essa até que foi fácil, porque temos uma panela elétrica.” Quando o assunto é o tempo nas telas, Priscila também é adepta do equilíbrio: “Não deixo exagerar, mas também não é bom criar uma pessoa alienada”, pondera. Por ora, as redes de Pedro são monitoradas pelos pais. “Tenho a senha. Quando precisa, a gente conversa a respeito.” (V.B.)

Maternidade precoce
Mãe solo de dois meninos, Zion, 19, e Noah, 15, a maquiadora Ester Ganev, 39, experimentou a maternidade quando mal tinha saído da adolescência. “Eu tinha 20 anos, era muito inexperiente”, diz Ester. Ela acredita que isso definiu o estilo de mãe que ela é. “Eu fui amadurecendo junto com eles e acabamos construindo uma relação quase horizontal”, afirma. Essa relação vem sendo construída com muito diálogo e terapia. “Eu consigo entender como eles se sentem e procuro conversar sem discutir”, afirma.
“Os meus amigos gostam muito dela”, diz Noah, que só perde o bom humor quando algum deles exagera no afeto e diz querer se casar com ela. “Daí, fico bravo”, diz o rapaz, que atualmente faz curso técnico de gastronomia. A mudança de escola e os novos sentimentos que surgem, na adolescência, têm deixado Noah mais fechado. “Mas a minha mãe entende. Ela sabe que, se eu precisar, vou pedir para ela me ouvir.”
Sem poder contar com a ajuda do pai dos meninos, de quem se separou quando eram pequenos, Ester contou e ainda conta com a família e amigos, quando precisa deixar o Guarujá, onde moram, para trabalhar em São Paulo. “Acredito que consegui o espaço para eles desenvolverem a individualidade”, afirma ela, que, nesse percurso, também aprendeu a preservar a sua e a se perdoar pelos eventuais erros cometidos. “Sei que não somos uma ‘família margarina’. Já senti culpa, mas consegui me libertar.” Assim, a maquiadora acredita que também tem deixado espaço para que os filhos errem, sem serem julgados o tempo todo. “Quero que eles exercitem a liberdade.” (V.B.)
“Mãe é a pessoa que cuida de você não importa o que aconteça, que sempre está ao seu lado em momentos difíceis. A minha é assim. Hoje, queria dizer que você pode sair para trabalhar, que eu já consigo me cuidar e dar conta das minhas responsabilidades. Te amo, mãe, você é uma das pessoas mais importantes na minha vida, você sempre esteve com a gente em todos os momentos, sem nunca deixar faltar nada para mim e para o meu irmão. Você é a melhor mãe do mundo.” Noah, 15
Glossário
Paia: coisa ruim
Cria: indica origem (Por ex.: “O cara é cria da Zona Sul”) ou amigo
Fechamento: melhores amigos
Revoada: festa
Rolê: festa
Resenha: coisa ou pessoa legal ou reunião para poucas pessoas
Sôci: o mesmo que resenha
Me pega: algo que toca ou chama a atenção
Noia: quem usa drogas ou parece fora de si
Moscando, chapando ou panguando: quem está alheio, desatento
A pura: algo perfeito (Por ex.: “A resenha na casa da fulana foi a pura!”)
Relíquia: pessoa íntima, com quem se convive há muito tempo
Pesar: fazer um comentário nada a ver, pesado
Chave: descolado
Poggers: reação a quando uma coisa boa acontece