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Mães chegam a caminhar horas por dia atrás de alunos faltosos

Elas fazem parte de um programa da prefeitura que busca reduzir a evasão escolar na rede pública municipal de educação e aproximar as famílias da escola

Por Clayton Freitas
Atualizado em 28 Maio 2024, 09h02 - Publicado em 17 mar 2023, 06h00
Patrícia, uma das mães guardiãs do programa da prefeitura, atua em uma unidade escolar que atende crianças
Patrícia, uma das mães guardiãs do programa da prefeitura, atua em uma unidade escolar que atende crianças (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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Maria Aparecida de Jesus Silva, 28, tem dois filhos, um de 9 e outro de 7 anos de idade, mas agora, de uma certa forma, também é mãe de outras crianças: ela é uma das contratadas pela prefeitura para realizar a busca ativa escolar pela cidade, em um programa que visa empregar mães de alunos matriculados na rede para combater a evasão escolar e tentar aproximar os familiares da escola com a realização de visitas periódicas.

Entre os anos de 2021 e 2022 foram realizadas 21 845 visitas dentro do programa de busca ativa e, desse total, 14 770 crianças voltaram a estudar. O índice de abstenção, que era de 8%, foi reduzido a 2%. “É um programa que deu certo. Vamos colocar as mães tanto nas unidades diretas quanto nas parceiras. Teremos o fortalecimento da aprendizagem”, diz Fernando Padula, secretário municipal de Educação. Para poder participar do programa Mães Guardiãs, as mulheres precisam atender a alguns critérios, como estar desempregadas há pelo menos dois anos e não terem renda familiar superior a meio salário mínimo por integrante da família. O processo é concorrido, já que quase 144 000 candidatas se inscreveram no começo deste ano para disputar as 4 000 vagas que foram abertas e se somar às quase 1 000 já existentes. Mensalmente, recebem o valor de 1 386 reais.

Após serem aprovadas na seleção, elas passam por um treinamento para poder atuar nas escolas. Antes de sair às ruas, em jornadas que podem incluir horas de caminhada, as mães verificam a lista de presença das salas de aula para descobrir quem não está comparecendo à escola. O sinal de alerta é quando a criança falta três dias seguidos sem nenhuma justificativa. O primeiro trabalho é tentar ligar e conversar com um responsável. Se isso não funcionar, outros meios são acionados, como vasculhar as redes sociais em busca de alguma pista. Se mesmo assim a criança não for localizada, daí as mães vão até o endereço informado na matrícula conversar pessoalmente com os pais ou responsáveis. Foi o que aconteceu no início de março, quando Maria Aparecida teve de pela primeira vez sair às ruas para localizar uma aluna. Até então, ela havia conseguido encontrar os alunos faltantes por telefone. Quem a acompanhou foi Elenice Soares Neves, de 41 anos, que atua no programa desde setembro de 2021 e já realizou cerca de 350 visitas, sendo que em 90% delas as crianças voltaram às salas de aula. “Não dá nem para explicar a alegria de ver uma criança de novo na escola”, afirma Elenice.

À frente, Maria Aparecida em sua primeira visita no programa busca ativa em uma comunidade da Zona Sul de São Paulo; atrás, Elenice, uma das mais experientes
À frente, Maria Aparecida em sua primeira visita no programa busca ativa em uma comunidade da Zona Sul de São Paulo; atrás, Elenice, uma das mais experientes (Alexandre Battibugli/Veja SP)

De prancheta em punho e tênis no pé, elas saíram de uma sala da Emef (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Chiquinha Rodrigues, no Campo Belo (Zona Sul), onde atuam, rumo a favela do Morro do Piolho, próxima à Avenida Jornalista Roberto Marinho, distante quase um quilômetro e meio da unidade escolar. Ao chegar à favela, tiveram de se identificar antes de terem permissão para entrar. Elas percorreram as vielas até localizar a casa de Clarice Pereira Rocha, de 46 anos. Segundo ela, os dois filhos não foram à escola pois estavam hospitalizados com problemas estomacais após comerem um lanche. “Muitas vezes não temos ideia do que a família e as crianças estão passando”, diz Elenice. “Foi tenso”, conta, por sua vez, Maria Aparecida, a respeito do modo como foram recebidas.

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Quem também viveu uma situação tensa em uma das visitas que fez foi Patrícia de Almeida Souza, de 46 anos, que atua no CEI (Centro de Educação Infantil) Geloira de Campos, no Brooklin Novo. Ao ir até a casa da mãe de uma criança que faltava há vários dias numa comunidade próxima, uma vizinha avisou que a mulher tinha ido a um velório. No caminho de volta, Patrícia afirma que foi abordada por um homem com uma arma na cintura. Era o pai da criança dizendo que a mulher não levava o filho para a aula por não conseguir acordar cedo. Porém, ela conta que ele ficou surpreso por a escola ter ido até a comunidade e demonstrou interesse. “Ele prometeu que daquele dia em diante a criança nunca mais faltaria às aulas e me disse que o filho dele ficaria muito melhor na escola do que na rua. E realmente no outro dia a criança estava lá. Fiquei chocada porque eu nunca tinha visto uma arma na minha vida”, diz Patrícia.

Apesar dos perrengues, todas as mulheres entrevistadas dizem se orgulhar da função que exercem. “Não troco por nada”, afirma Patrícia. Formada em administração de empresas e tendo atuado no setor financeiro durante muitos anos, ela diz que o contato diário com as crianças pequenas a estimulou a voltar aos bancos escolares e agora cursa pedagogia. Elenice diz já ter perdido 17 quilos com as visitas e está estudando assistência social. “Descobri que meu objetivo é ajudar as pessoas, e sei que posso fazer mais.”

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Publicado em VEJA São Paulo de 22 de março de 2023, edição nº 2833

 

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