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Livro Mestres do Salão: histórias de anfitriões da gastronomia paulistana

São 52 personagens que fazem parte da história dos grandes restaurantes de São Paulo

Por Daniel Nunes Gonçalves
Atualizado em 5 dez 2016, 19h04 - Publicado em 3 dez 2009, 16h44

Sabe aquele maître do restaurante onde você bate cartão há anos, que chama os clientes pelo nome, conhece a mesa favorita de cada um e decorou até o número de pedras de gelo de seu copo de uísque? É possível que ele seja um dos 52 protagonistas de Mestres do Salão, um livro-homenagem com 150 belos retratos em preto e branco, acompanhados por pequenas biografias, de alguns papas da cidade na arte de bem receber e servir. O famoso Chagas do Rodeio, o Braz, há quarenta anos no Jardim de Napoli, e o reverenciado Ático, do Grupo Fasano, na ativa aos 83 anos, são alguns dos destaques da obra. Idealizado pelo fotógrafo Paulo Giandalia, que come fora quase todos os dias e se encantou com a história desses profissionais, o livro começou a ser produzido de forma independente há três anos. Ganhou a adesão do fotógrafo Renato Pasmanik, além do jornalista — e guloso, como gosta de ser chamado — Thomaz Souto Corrêa, que cuidou da edição final. O resultado será conhecido no próximo dia 14, data do lançamento no Bar Original, em Moema.

Nas fotografias, quase todos aparecem elegantemente vestidos de terno. “É assim que eles gostam e que são reconhecidos pelos clientes”, explica Corrêa. Usar smoking ou gravata era um sonho para a maior parte dos perfilados, que têm em comum a origem humilde e o histórico de dedicação de uma vida inteira às melhores casas paulistanas. Antes de virar “o” Chagas do Rodeio, Francisco Chagas Filho queria se portar como os garçons do cinema. A saída da pequena cidade de São Benedito, no Ceará, para trabalhar como faxineiro e lavador de pratos em São Paulo compõe uma trajetória semelhante à de muitos colegas citados no livro: 21 deles vieram do Nordeste, cinco começaram varrendo o chão e seis tiveram a ocupação de cumim antes de ascender a garçom e depois a maître — função que pode render mais de 10 000 reais por mês e gorjetas acima de 300 reais. Bem relacionado, Chagas foi o responsável pela concretização da ideia. Ele fez contato com um de seus clientes, Daniel Klabin, da KM Papel, para viabilizar o patrocínio da impressão. “O bom maître é completo, ataca e defende”, diz. “Quem não sabe atender nunca vai saber mandar.”

Tanto Chagas quanto outros seis personagens atribuíram a excelência em suas funções aos ensinamentos do espanhol Ramón Mosquera Lopez, um maître do Rodeio que se tornou estrela da gastronomia paulistana entre as décadas de 50 e 80. Morto em 1999, ele deixou seu legado para os ex-pupilos e para o próprio filho, Ramonzito Mos quera, também estrela do livro e na ativa à frente do salão da churrascaria Bar bacoa, estabelecimento que o pai ajudou a criar. Atualmente, o decano que inspira os maîtres contemporâneos responde pelo nome de Ático Alves de Souza. O gentleman de Monte Santo, na Bahia, atende no Hotel Fasano e, toda quarta e domingo, serve o famoso bollito misto no Parigi, do mesmo grupo para o qual trabalha há duas décadas. Ali se tornou referência até para feras da atualidade, como Almir Martins Paiva, do restaurante Fasano. Ex-servente de pedreiro que foi à escola por apenas 45 dias, Ático começou a ganhar experiência nos anos 50, ainda com o apelido de Baianinho, carregando travessas no Ca’d’Oro. “Naquele tempo, a gente tinha a maior cerimônia para chegar perto de uma mesa”, lembra ele, que tremia de medo de deixar um copo cair.

Na sessão de fotos para o livro, Ático reencontrou um amigo que não via desde a década de 70: Braz Zacharias, do Jardim de Napoli. “Fui um dos primeiros a operar uma máquina de café expresso na cidade”, conta Zacharias. Há outras passagens curiosas nas 232 páginas. Geraldo Venâncio Moreira, do Pandoro, não esconde que chegou a ganhar mimos inacreditáveis de um empresário de Dubai quando trabalhava no The Place. “Ele me deu de presente de aniversário dinheiro suficiente para comprar um carro”, afirma. “Depois me deu um Mercedes.” Atagerdes Alves, do Gero, teve de acomodar Chico Buarque em uma mesa da cozinha da filial do restaurante no Rio de Janeiro porque a casa estava lotada e o artista apareceu sem ter feito reserva. Nove dos homenageados contam como abriram seu próprio negócio, a exemplo de Juscelino Pereira, dono do Piselli: “Levei comigo os bons contatos que fiz nos primeiros restaurantes”.

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Francisco Alves de Souza, o maître França, do Porto Rubaiyat, confessou ter quebrado a regra de tratar discretamente as celebridades quando viu o ídolo Pelé sentado à mesa. “Pedi autógrafo e tiramos uma foto”, diz ele, que detalhou como deixou a lavoura baiana para encarar o pau de arara em busca do sonho paulistano. Sua lembrança mais dolorida, porém, é ter sido demitido do Rodeio pelo velho Ramón ao se esquecer de anotar na comanda uma torta de ricota que havia comido. O trauma fez com que recusasse quatro convites para voltar à casa e serviu como lição para que ele tentasse ser impecável em sua rotina. Apesar da pose para a foto e dos ternos alinhados como os do dia a dia, os mestres do salão tiraram sua máscara para os autores do livro. “Vários choraram durante as entrevistas”, afirma Thomaz Souto Corrêa. Não foram poucos os que aceitaram tomar um drinque a fim de relaxar diante das câmeras — embora garantam que jamais bebem em serviço.

 

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