Lei das Domésticas completa 10 anos, mas informalidade ainda atinge 3 em cada 4 trabalhadoras
Apesar de garantias como FGTS e auxílio-maternidade, categoria ainda enfrenta fraudes trabalhistas, preconceito e baixa formalização no Brasil
A chamada Lei das Domésticas, Lei Complementar nº150 de 2015, que regulamenta o trabalho da categoria e reconhece seus direitos, completou uma década em junho passado. A proteção jurídica representou um grande avanço após anos de luta. Janaína Souza, presidente da Federação das Trabalhadoras Domésticas do Estado de São Paulo, cita direitos garantidos pela legislação como o FGTS e o auxílio-maternidade.
“Quando a lei entrou em vigor, eu vi todo mundo comentando nos pontos de ônibus: ‘A patroa está com medo e mandou trazer os documentos com até três dias de prazo’”, lembra Jania Maria da Silva da Hora, cozinheira há mais quarenta anos.
O avanço ainda é limitado frente aos desafios diários, como violações de proteções trabalhistas e a falta de formalização. Roseni da Costa Esteves, também cozinheira, diz que, apesar das determinações da lei, é preciso comprovar constantemente os direitos básicos. “Se a doméstica insistir muito, o patrão acaba dizendo: ‘Então, procura outro [emprego]’. Eu já ouvi que exigimos demais, mas não é exigir, é a lei e são nossos direitos”, afirma.
Mesmo em casos com vínculo formal, ainda há brechas para irregularidades. Uma prática que ocorre entre os contratantes mencionada pelas fontes consultadas é a divisão da forma de pagamento: uma quantia estabelecida na carteira de trabalho e outra paga “por fora”. Com este exemplo, é fácil de entender a prática: alguém que ganha 2 000 reais por mês tem 1 000 reais registrados como salário — esse é o valor utilizado como base de cálculo para todos os direitos trabalhistas — e outros 1 000 reais são pagos por fora. Na prática, horas extras, FGTS e Previdência Social são reduzidos. Trata-se de uma conduta ilegal, considerada fraude trabalhista adotada por alguns empregadores.
Segundo Júlia Lenzi, professora de Direito do Trabalho da USP, a subvalorização das ocupações domésticas, assim como de suas garantias legais, evidencia uma herança escravista do país. “Uma das minhas patroas achava que pobre fede, por isso, eu não podia nem sentar na sala”, relata Ângela Maria Paim Moreira sobre uma experiência que teve neste ano como cuidadora. Além do preconceito, ela também relata que foi acusada de roubo diversas vezes. O constante monitoramento e desconfiança também são apontados por Jania, que trabalhou por dois anos em uma casa, em que sua bolsa era revistada na entrada e saída.
Por outro lado, a advogada também destaca que parte das dificuldades para a formalização nasce da própria lei, que surgiu tardiamente, quando a diarização já havia se estabelecido de forma predominante. Além disso, definiu-se o vínculo de emprego doméstico apenas para acima de dois dias trabalhados por semana para um mesmo chefe, condição inédita até então.
A informalidade na categoria avançou desde a implementação da lei, e, hoje, três em cada quatro domésticas não têm carteira assinada, de acordo com os dados da Pnad Contínua do IBGE. Isso significa menor proteção e direitos, visto que, em casos de acidentes laborais ou desemprego, a doméstica é minimamente amparada pela CLT. Embora o trabalho como diarista possa trazer ganhos maiores, mais da metade (55,5%) continua a ganhar menos do que um salário mínimo na região sudeste, segundo um levantamento realizado pelo Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
“É importante reconhecer que o envelhecimento dessa categoria pode indicar um rompimento do ciclo de pobreza, sobretudo, de pobreza feminina”, acredita Júlia, uma vez que a faixa etária (40 a 60 anos ou mais) aumentou de 68,2% em 2015 para 78,1% em 2024 no país (não há estatísticas sobre a cidade de São Paulo). Enquanto isso, a parcela mais jovem (18 a 39 anos) no trabalho doméstico diminuiu de 31,8% em 2015 em comparação aos 21,8% de 2024.
Esses dados do Ministério do Trabalho e do Emprego revelam que a nova geração de filhos e filhas de empregadas domésticas, que tiveram acesso à universidade pública com políticas afirmativas, estão conseguindo romper o ciclo de eternização deste tipo de trabalho e tendo mais possibilidades de futuro. É uma vitória, mas a luta das domésticas permanece mais viva e necessária do que nunca.
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