Justiça anula decisão que obrigava Prefeitura a trocar nomes de ruas ligados à ditadura
Ação do Instituto Vladimir Herzog buscava acelerar Programa Ruas de Memória, que prevê mudança gradual de endereços que celebram violadores de direitos humanos

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) revogou, nesta terça-feira (23), a decisão que obrigava a Prefeitura de São Paulo a apresentar um cronograma para a alteração do nome de onze logradouros públicos que homenageiam agentes e símbolos da ditadura militar.
A medida anulada havia sido determinada após ação movida pelo Instituto Vladimir Herzog e pela Defensoria Pública da União, que acusavam o município de omissão na implementação do Programa Ruas de Memória. Criado em 2016, o programa prevê a substituição gradual de nomes de ruas que remetem a pessoas ou datas associadas a violações de direitos humanos.
No acórdão, relatado pelo desembargador Fausto José Martins Seabra, a 7ª Câmara de Direito Público do TJ-SP entendeu que impor prazos à prefeitura configuraria ingerência indevida do Judiciário sobre competências próprias do Executivo e do Legislativo.
Segundo o relator, a alteração dos nomes deve ser conduzida de forma participativa, com ações de mobilização comunitária e diálogo com a população, conforme previsto no decreto que instituiu o programa.
A decisão também destacou que a Câmara Municipal de São Paulo já vem debatendo o tema por meio de projetos de lei, como o PL nº 896/2024, do vereador Toninho Vespoli, que trata da renomeação de ruas ligadas ao regime militar, e o PL nº 857/2024, que propõe a mudança do nome da Avenida Presidente Castelo Branco. Para os desembargadores, a tramitação desses projetos demonstra que não há omissão do poder público.
Apesar do reconhecimento da legitimidade do Instituto Vladimir Herzog e da Defensoria Pública da União para propor a ação, os magistrados concluíram que cabe ao município definir os critérios e o ritmo das mudanças, respeitando o princípio da separação dos poderes.
Em nota, o Instituto Vladimir Herzog lamentou a decisão do TJ. “Entendemos que a permanência dessas homenagens constitui afronta à memória democrática do país e mantém viva, em nossos espaços coletivos, a exaltação de um regime responsável por graves violações de direitos humanos”, afirmou a organização.
O Instituto também declarou que entrará com recurso na Justiça.
Veja os endereços que teriam os nomes alterados:
- Crematório Municipal de Vila Alpina (Dr. Jayme Augusto Lopes) – por homenagear o diretor do Serviço Funerário do município de São Paulo que dá nome ao crematório, “pessoa controversa porque viajou à Europa para estudar sistemas de cremação em momento coincidente com o auge das práticas de desaparecimento forçado”, segundo a ação;
- Clube da Comunidade Caveirinha (Zona Sul) – Homenageia um general chefe do CIE (Centro de Informações do Exército) entre 1969 e 1974, que liderou a Operação Marajoara da qual resultou no extermínio da Guerrilha do Araguaia;
- Avenida Presidente Castelo Branco (Zona Norte/Centro) – Primeiro presidente da República após o golpe militar;
- Ponte das Bandeiras Senador Romeu Tuma (Zona Norte/Centro) – Ex-diretor do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), órgão da repressão política durante a ditadura;
- Rua Alberi Vieira dos Santos (Zona Norte) – Colaborador do CIE, envolvido no massacre do Parque Nacional do Iguaçu e na armação de emboscadas e chacinas de resistentes, detenções ilegais, execuções, desaparecimento forçado de pessoas e ocultação de cadáveres;
- Rua Dr. Mario Santalucia (Zona Norte) – Médico-legista envolvido em laudos necroscópicos fraudulentos durante a ditadura;
- Praça Augusto Rademaker Grunewald (Zona Sul) – Vice-presidente entre 1969 e 1974, período mais repressivo do regime;
- Rua Délio Jardim de Matos (Zona Sul) – Integrou o gabinete militar da Presidência da República do governo Castelo Branco e foi dos principais articuladores do golpe de 1964;
- Avenida General Enio Pimentel da Silveira (Zona Sul) – Associado ao DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna). Teve participação comprovada em casos de tortura, execução e desaparecimento forçado;
- Rua Dr. Octávio Gonçalves Moreira Júnior (Zona Oeste) – Delegado envolvido em torturas e ocultação de cadáveres;
- Rua 31 de Março (Zona Sul) – Data que marca o golpe de 1964.