Juízes usam estrutura de tribunal para declarar o próprio imposto de renda

Com vencimentos que podem chegar a 100 000 reais, eles utilizam funcionários públicos para questão particular

Por Ricardo Chapola
Atualizado em 18 set 2019, 19h50 - Publicado em 18 set 2019, 18h14
Tribunal de Justiça
Prédio do Tribunal de Justiça na Avenida Ipiranga, onde funciona o setor de IR dos magistrados (Divulgação/Veja SP)
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Donos dos maiores salários do funcionalismo público, os magistrados de São Paulo, como desembargadores e juízes, usam a estrutura do próprio Tribunal de Justiça para fazer suas declarações de Imposto de Renda.

Funcionários do TJ, que não quiseram se identificar, confirmaram a Vejinha a existência de um setor em uma das sedes da Corte destacada exclusivamente para a prestação desse tipo de serviço aos magistrados.

Em vez de contratarem contadores próprios, os desembargadores, cujos vencimentos podem chegar a 100 000 reais entre salário e benefícios, prestam contas à Receita Federal usando a mão de obra dos servidores do tribunal. Segundo o Sindicato dos Contabilistas de São Paulo (Sindcont), o serviço de declaração de IR custa de 150 a 500 reais na capital.

O “departamento de IR” funciona em uma pequena sala no quinto andar no prédio do tribunal situado na Avenida Ipiranga, número 165, no centro, local onde trabalham 90 desembargadores e 24 juízes substitutos em 2° grau.

De acordo com os relatos colhidos pela reportagem, o setor está identificado com uma placa com os dizeres “Imposto de Renda”, pendurada na porta. No dia 7 de agosto, a Vejinha questionou o Tribunal de Justiça sobre a existência dessa sala, sobre as funções do departamento, bem como o número de servidores que trabalham por lá. Não houve resposta, mesmo depois de várias tentativas. Para consegui-las, a reportagem foi obrigada a fazer um pedido via Lei de Acesso à Informação, realizado no dia 13 de agosto.

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Justificativas

Questionado sobre as funções da “sala do IR”, o TJ informou que o setor “preserva a regularidade das obrigações fiscais dos magistrados junto a Receita Federal”. No texto, o tribunal citou a Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), a Resolução 591/13 da Corte paulista e a Recomendação 10/13 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em seguida, destacou alguns dispositivos dessas três regras. Todos eles dizem respeito à obrigação dos desembargadores em declarar seu patrimônio privado à Receita Federal, assim como qualquer outro cidadão.

Ainda na resposta, o TJ comunicou que quatro servidores são destacados para trabalhar nesse setor, que existe desde 1975 (essa sede do TJ funciona neste endereço desde 2007). O salário desses funcionários gira em torno dos 5.000 reais.

Para advogados especializados em direito administrativo, o uso da máquina do TJ feito pelos magistrados para fins particulares é ilegal. “Acho que é irregular. Porque há servidores públicos atuando em benefício da vida privada de um desembargador”, diz Jacinto Dias, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “É complicado ver o TJ tentando justificar isso alegando que é um dever recolher imposto.”

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Dias atentou ainda para os supostos desvios de função dos servidores que trabalham no “departamento de IR”. “É um caso semelhante ao desembargador, que tem direito a carro oficial, pedir a seu motorista que leve seu filho na escola, ou ir buscar suas compras no supermercado”, afirma. “A estrutura do tribunal não se presta a isso.”

 

 

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