Instagram e saúde mental: como a rede pode ser tóxica para os usuários
Risco é maior para quem tem depressão ou ansiedade; após ocultar curtidas, empresa planeja "modo ausente". Conheça pessoas que optaram por um detox digital
“O Instagram é pensado para as pessoas se sentirem mal.”
A frase, dita por ninguém menos que Madonna ao jornal inglês The Sun, no mês passado, sintetiza uma discussão levantada há anos por pesquisadores, médicos e especialistas em cultura digital: o Instagram pode ser prejudicial à saúde mental de seus usuários, em especial para quem já está doente.
“Você se pega se comparando com outras pessoas. ‘Devo ser assim, agir assim, parecer assim?’ As pessoas se tornaram escravas da aprovação dos outros”, sentenciou Madonna, 60, que tem 14 milhões de seguidores. Para referência: Anitta tem quase 40 milhões.
É claro que todas as redes sociais dispõem desse potencial destrutivo, mas, por ser baseado em imagens, o Instagram merece mais atenção, explica Christian Dunker, psicanalista e professor da USP. “Nele é mais fácil competir e comparar-se. Como se trata de um ambiente irreal, editado, dificilmente alguém vai sentir-se bem com essa comparação”, diz Dunker.
“As redes sociais são como amplificadores para sentimentos já existentes, o que pode ser muito danoso para quem já sofre de solidão, depressão ou ansiedade, por exemplo”, completa. O discurso ecoa a conclusão de um estudo da entidade britânica The Royal Society for Public Health (RSPH), publicado em maio: as redes sociais são tão viciantes quanto álcool e cigarro e, entre elas, o Instagram foi avaliado como a mais nociva à mente dos jovens.
Quando o assunto é saúde mental de mulheres, aumentam também os riscos de agravamento de doenças ligadas à autoestima e imagem, nota Valéria Palazzo, psicóloga e coordenadora do Grupo de Apoio e Tratamento dos Distúrbios Alimentares e da Ansiedade. “Para que você tenha um transtorno alimentar, é preciso uma condição genética hereditária. Mas não podemos deixar de fora as redes e o ambiente social”, explica Valéria.
De acordo com a psicóloga, uma questão importante é escolher bem quem seguir. “Você deve se perguntar se a pessoa que você está seguindo lhe dá algum benefício, senão o Instagram pode ser bastante prejudicial.” Valéria afirma que, para quem se sente muito dependente da rede, “a solução mais radical pode ser sair dela”.
Redes sociais viciam, sim
O Hospital das Clínicas, que pertence à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), mantém o Grupo de Dependências Tecnológicas há treze anos. Se no início as pessoas procuravam tratamento por achar que estavam utilizando demais o computador, com a mobilidade dos celulares e o surgimento das redes sociais o problema tornou-se ainda mais comum.
“Indivíduos ficam, sim, dependentes de redes sociais. E o ser humano é sensível às avaliações pessoais. Nesse ambiente, a repercussão das coisas negativas e positivas tem um efeito muito maior”, diz Cristiano Nabuco, coordenador do grupo. Segundo o psicólogo, quanto mais alguém utiliza as redes, menos presta atenção às experiências offline. “O excesso de uso cobra um preço alto: a negligência da vida real.”
Todas as redes sociais lançam mão de um “esquema de recompensa” que torna o uso viciante, escreve em seu blog Tristan Harris, ex-especialista em design do Google, onde estudou ética da persuasão humana. É o mesmo sistema utilizado por cassinos e jogos de azar, nos quais você continua a aposta para ter a chance de ganhar.
No caso dos aplicativos, o capital é o sistema de notificações, curtidas e comentários, que recompensa (e vicia) o cérebro. Para Nabuco, as empresas têm alta responsabilidade nesse panorama de vício e saúde mental. “A vida na rede afeta a off- line. As (empresas de) redes sociais deveriam estar mais preocupadas em oferecer qualidade na conexão que promovem.”
A remoção do número de curtidas
Como resposta às críticas sobre o impacto negativo do Instagram na saúde mental das pessoas, a empresa decidiu remover, na semana passada, a visualização do número de curtidas em fotos e vídeos em sete países — não à toa, um deles é o Brasil. São mais de 50 milhões de brasileiros que acessam pelo menos uma vez por mês a rede social de imagens, segundo dados do Facebook (que é dono do Instagram desde 2012, quando pagou 1 bilhão de dólares pela empresa). No mundo inteiro, mais de 1 bilhão de acessos ocorrem mensalmente.
O número de usuários daqui é suficiente para alçar o nosso país ao top 3 do ranking mundial. E o próprio Instagram já declarou que São Paulo é a segunda cidade mais marcada em Stories (os dados são de 2017, quando a função completou um ano), atrás apenas de Jacarta, na Indonésia.
“Não queremos que as pessoas sintam que estão em uma competição dentro do Instagram. Nossa expectativa é entender se uma mudança desse tipo poderia ajudar as pessoas a preocupar-se menos com as curtidas e mais em contar suas histórias”, diz Natalia Paiva, gerente de políticas públicas para a América Latina do Instagram. “É responsabilidade de todas as empresas ser honestas em relação a esse assunto e, no Instagram e no Facebook, nós levamos essa responsabilidade muito a sério”, diz a executiva.
A remoção das curtidas é parte de um plano maior, que envolve a implementação de um modo ausente, filtros para comentários e possibilidade de bloquear conteúdos e hashtags sensíveis. “Sabemos que o usuário às vezes encontra o caminho para se conectar com conteúdos negativos. Mas o Instagram pode ser usado pelas pessoas para que elas expressem quem são e explorem a sexualidade de uma maneira muito livre, por exemplo. Algumas lançam mão dele para abrir pequenos negócios; é uma plataforma muito rica.”
Natalia diz ainda que a equipe de engenharia do Instagram se chama “time de bem-estar digital” e que incentivos corporativos são oferecidos a quem pensar em soluções de produto para aumentar o bem-estar dos usuários. “Foi daí que saiu a ideia da remoção de likes”, conta. Ela frisa que a novidade está em fase de testes e que ainda é preciso estudar mais como isso afeta a experiência do usuário na plataforma. Mas em uma volta rápida pelo Instagram dá para ver que a atualização foi bem curtida.
Os influencers brasileiros Felipe Neto e Felipe Castanhari comemoraram o fim da contagem, bem como os artistas Luan Santana e Cleo. Além de Madonna, outras estrelas internacionais já fizeram críticas ao Instagram ou preferem simplesmente nem ter perfil oficial na rede social: Scarlett Johansson, Georg e Clooney, Jennifer Aniston e Daniel Radcliffe, só para ficar em algumas das mais famosas.
Selena Gomez, cantora americana de 27 anos, já falou publicamente que a ascensão das redes sociais foi terrível para a geração dela, com efeitos negativos “devastadores”. Especificamente sobre o Instagram, no qual tem 153 milhões de seguidores (número que já fez com que ela fosse o perfil mais seguido do mundo), Selena disse que ficou obcecada e insegura com comentários negativos e que deletava o app ao menos uma vez por semana. Até afirmou uma vez à Vogue que ela nem mesmo tinha mais a senha do Instagram e que atualizá-lo era função de uma assessora próxima.
É bom lembrar que Selena já tratou de depressão e ansiedade e no fim de 2018 deu um susto nos fãs ao ser internada em um centro psiquiátrico após um colapso emocional. Poucos dias antes ela havia informado no Instagram que se afastaria de suas redes sociais. O texto termina com este trecho: “Apenas lembre: comentários negativos podem machucar os sentimentos de qualquer um”.
O psicanalista Christian Dunker explica que um afastamento temporário do Instagram pode ser benéfico para quem se sente ansioso ou depressivo com o uso da rede. “Quando o virtual toma o espaço da realidade, ou seja, quando você deixa de fazer coisas no mundo de verdade para ficar no celular, curtindo fotografias ou mesmo conversando, é hora de prestar atenção e, quem sabe, fazer uma pausa para entender qual espaço ele ocupa na sua vida.”
Conheça algumas pessoas que sentiram os impactos negativos do Instagram e compartilharam suas histórias com a Vejinha:
Unfollow terapêutico
Barriga tanquinho, academia sete dias por semana e alimentação saudável. A busca do “corpo ideal” afetou bastante a rotina de Mirian Bottan, que se distanciava do convívio social para não ingerir nada que saísse da dieta. Por volta de 2014, ela encontrava no Instagram a imagem que queria refletir no espelho. “Fiquei viciada nos perfis fitness”, lembra Mirian, que chegava a passar até sete horas por dia colada no celular. Ao descobrir que tinha um quadro de ortorexia, a obsessão por exercícios e alimentos saudáveis, resolveu dar um unfollow terapêutico.
“Parei de seguir o conteúdo que fazia com que eu me sentisse mal”, afirma. Hoje, aos 32, diminuiu a frequência do uso do aplicativo. Quando acessa o seu perfil, Mirian dá dicas sobre aceitação a mulheres que passam pelos mesmos problemas. “Às vezes fico um mês sem entrar no Insta”, conta. Enquanto lidava com a ortorexia, superava a bulimia, condição com que conviveu dos 13 aos 26 anos. Nesse distúrbio, o paciente ingere grandes quantidades de comida e depois põe tudo para fora, por vômito induzido. “Durante a adolescência, cheguei a vomitar oito vezes por dia e a pesar 38 quilos”, diz, recordando-se do período mais grave da doença. Naquela época, ficou dois anos sem menstruar. Hoje o lema é o equilíbrio. “Em 2016 voltei a comer pratos que desde os 13 não iria ingerir sem vomitar”, conta Mirian, que está escrevendo um livro sobre distúrbios alimentares.
O reencontro com os livros
“Ao deletar o Instagram, comecei a viver de novo”, revela Laura Passos. Moradora da Zona Oeste da capital, a moça, de 28 anos, manteve uma relação difícil com a plataforma. “Passava por experiências, saía de casa, só para ter o que postar”, conta a bibliotecária, que perdeu o hábito da leitura por causa do vício, que ocupava grande parte das suas horas de lazer. Quando a função Stories foi lançada, em 2016, Laura afirma que exercitava uma busca diária para achar micropautas para compartilhar com os seguidores: “Meu cotidiano era dividido de quinze em quinze segundos”. A situação, que até então não era vista por Laura como um problema, piorou no fim de 2018, quando ela quebrou o pé em uma viagem ao interior do estado. “Era Natal, Ano-Novo, e eu não tinha nada para postar, entrei em desespero”, relembra.
De repouso, em meio às fotos de fogos de artifício, viagens e garrafas de champanhe compartilhadas no Insta, Laura desenvolveu um quadro depressivo. No entanto, o uso da rede não diminuiu. “Passei a entrar ainda mais.” Em janeiro último, depois de muitas conversas com o psicólogo, ela decidiu deletar a conta. “Fiz três viagens para fora do país neste ano. Se fosse em 2018, iria passar o tempo todo tirando fotos dos lugares”, relata. “Sinto que o Instagram é um local onde não existe tristeza. A vida das pessoas é perfeita e inatingível”, diz. “Voltei a ler bastante, livros, artigos. Antes eu consumia conteúdo apenas em posts.”
Mentorias anti-Instagram
No fim de 2017, Rafael Marcon, engenheiro elétrico de 37 anos, foi demitido de uma empresa de TV a cabo e começou a passar mais e mais tempo no Instagram. “Havia ficado longe do meu filho e perdia até três horas por dia fazendo algo que não tinha retorno para os meus objetivos.” Depois de um mês, ele deletou o aplicativo, e hoje dá mentorias individuais, nas quais ganha dinheiro motivando as pessoas a largar a rede. “Comecei com uma pessoa que também tinha ficado desempregada e passava muito tempo no Instagram, longe dos filhos. Aconselhei-a a deletar o app.” Morador do bairro da Saúde, Marcon conversa com os seguidores em grupos de WhatsApp e dá dicas a quem não encontra trabalho. Sem rede social alguma a não ser o LinkedIn, ele focou o aumento dos contatos em sua área de atuação e começou a escrever textos motivacionais. “Tenho mais de 7 000 contatos.” Com a popularidade, conseguiu bicos em 2018. No início de 2019 veio a entrevista para uma vaga em uma montadora americana. “Criei outra rotina de vida e abandonei as redes sociais”, diz.
Luta contra a balança
Cristina Borba vive uma eterna luta com a balança, que só piorou quando ela começou a se comparar com o perfil de musas fitness no Instagram. Desde adolescente, entre constantes dietas, toma cuidado com o consumo de doces. “Sou compulsiva”, relata. A química de 53 anos é filha única e em 2014 precisou dar mais atenção aos pais, que passaram a enfrentar problemas de saúde.
Em meio à nova carga emocional, cortou o consumo de açúcar e se apoiava cada vez mais na rede social. Emagreceu muito, mas, mesmo assim, não se sentia bem com o próprio corpo. Logo o uso do Instagram se tornou excessivo e tóxico. Depois da morte do pai, em 2017, Cristina entrou em depressão, e a autoestima, que nunca foi alta, despencou. “Você fica pior porque sabe que nunca vai atingir aquele padrão de corpo”, lembra ela sobre os perfis que costumava seguir.
“Às vezes eu comia de raiva”, conta Cristina, que ganhou peso novamente. Após uma crise de ansiedade que a levou ao hospital, passou a dosar o uso do Instagram por orientação da psicóloga e fez uma limpa no perfil. “Sigo contas que me fazem bem e estimulam ações positivas, e não dietas malucas.”
Antes, ela ocupava o tempo livre com bisbilhotadas na tela do celular, mas hoje não vai além da medida. “Temos de lembrar que o Instagram não é só a parte bonita da história. Ninguém pode ser feliz assim 24 horas por dia.”
Questão de raça
Ir ao dermatologista para melhorar a pele por causa das selfies é algo que já passou pela cabeça de Spartakus Santiago, 25, youtuber e apresentador, conhecido nas redes sociais por falar sobre questões de raça.
“O Instagram faz todo mundo te julgar a todo momento”, diz. Ele cita ainda outro complicador: “Nós, por sermos negros, estamos fora do padrão. Influenciadores negros têm muito menos seguidores que pessoas brancas, afinal não somos vistos como bonitos por muita gente”.
Spartakus afirma também que sua relação com a rede social melhorou muito quando ele começou a seguir pessoas mais diversas. “Deixei de acompanhar indivíduos que representam um padrão que para mim é impossível de alcançar”, completa.
Debate na aula
Alessandra Maranca, Catharina de Morais e Maria Clara Nascentes, alunas do ensino médio, desenvolveram uma iniciação científica para estudar a saúde mental em adolescentes. “Víamos colegas de 12 anos com problemas psicológicos”, lembra Maria Clara. As três têm 17 anos e tentam estabelecer uma relação entre a formação da identidade dos jovens e a saúde mental. Depois de se aprofundarem em autores como o polonês Zygmunt Bauman, elas elaboraram um questionário no qual abordavam assuntos como aparência e consumo, para a realização de debates com os estudantes. Nas conversas, surgiram problemas como a difícil relação com as redes sociais. O trio participou de feiras científicas internacionais com o projeto. No Dante Alighieri, instituição onde as meninas estudam, existe um departamento de tecnologia educacional. “Os alunos são a geração Instagram: próximos da vida dos ídolos, de pessoas distantes”, conta a coordenadora Verônica Cannatá. “Fazemos um exercício em classe: pedimos que abram o rolo da câmera e escolham uma foto que lhes traga afeto”, explica. “Tudo o que fazem, eles fotografam; mas não há sentimento, é uma avalanche de informação”, acredita a docente.
PANOS QUENTES
Ainda em fase de testes, a remoção de curtidas em fotos e vídeos é uma das ações planejadas pelo Instagram que miram a melhoria da saúde mental do usuário. Outras iniciativas já estão no ar ou devem ser implementadas em breve
Modo ausente
Será ativado em breve, segundo a companhia. Quando ligado, limitará o número de notificações e vai encorajar o usuário a passar menos tempo no aplicativo, especialmente em momentos intensos da vida em que uma “pausa” das redes pode ser necessária, sem que seja preciso excluir a conta.
Apoio de entidades e amigos
Ao pesquisar por hashtags sensíveis como #ansiedade ou #depressão, o Instagram pergunta ao usuário se ele gostaria de pedir ajuda a algum amigo ou ser direcionado para uma linha de apoio de instituições como o Centro de Valorização da Vida (CVV). Qualquer pessoa pode também fazer denúncias anônimas se há a desconfiança de que alguém precisa de apoio emocional.
Alerta de comentário
Utiliza inteligência artificial para notificar as pessoas quando o comentário delas pode ser considerado ofensivo, antes que ele seja publicado de fato.
Filtros personalizados
O Instagram anunciou novas ferramentas para detectar bullying nas imagens compartilhadas e nas legendas, através de uma tecnologia de aprendizagem computacional (machine learning) com capacidade de identificar o contexto das ofensas.
DICAS DE USO
Não há fórmula mágica, mas especialistas, psiquiatras, psicólogos e até executivos do próprio Instagram concordam em algumas atitudes para melhorar o uso do app ao máximo e evitar que ele seja tóxico. A principal dica é atentar para o tempo de conexão: não existe uma duração correta, mas ficar muitas horas seguidas a fio colado ao telefone costuma ser sinal de alerta. Outra dica é prestar atenção em quem você acompanha. Passe longe de perfis que prometem corpos milagrosos em pouco tempo e procure seguir pessoas diversas, sem esquecer as que realmente se pareçam com você.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 31 de julho de 2019, edição nº 2645.